As constantes provocações de Nicolás Maduro ao governo brasileiro, com ataques explícitos ao Itamaraty e ao chefe da diplomacia presidencial, Celso Amorim, mudaram o relacionamento político entre o líder venezuelano e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antes fiador do chavista, ao defender sua aceitação pelos demais países sul-americanos e até ser duramente criticado por isso, Lula começou a descolar sua imagem de Maduro.
A postura de Lula vinha sendo criticada internamente no Brasil e a nova abordagem do governo ajuda a afastar críticas especialmente de eleitores de centro — especialmente após o desempenho do PT nas eleições municipais deste ano.
A mudança mais visível na relação, que fez com que os ataques ao Brasil aumentassem substantivamente, ocorreu na semana passada. O presidente venezuelano se sentiu humilhado, ao viajar para a Rússia, de surpresa, para a reunião do Brics, mas foi barrado ao tentar entrar para o bloco, por um veto do Brasil.
Depois de dar declarações cobrando Lula pelo veto e atacando a diplomacia brasileira, o governo venezuelano convocou, nesta quinta-feira, o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Caracas, Breno Hermann. O país também chamou para consultas o embaixador Manuel Vadell, que exerce a representação da Venezuela em Brasília.
Integrantes do governo envolvidos diretamente com o tema afirmam que não é intenção de Lula entrar no jogo de Maduro e responder com uma nota, por exemplo. Ele prefere manter o silêncio, para não perder a interlocução com autoridades venezuelanas. Porém, o presidente está irritado com as ofensivas, que deixam o governo mais distante da posição da militância do PT, que reconheceu a contestada eleição de Maduro.
— Nicolás Maduro vem incensando uma crise diplomática desde o processo eleitoral na Venezuela, cuja legitimidade foi comprometida por falta de transparência e o Brasil não reconheceu a eleição. O episódio do Brics e supostos comportamentos do embaixador Celso Amorim serviram como pretexto para ampliar a crise diplomática. O gesto de convocar o embaixador é mais um lamentável ataque ao Brasil, uma retaliação descabida e desproporcional — disse o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL).
Como Maduro não cumpriu a promessa de apresentar as atas eleitorais que comprovassem sua vitória na eleição de 28 de julho deste ano, amplamente contestada pela oposição e parte da comunidade internacional, a Venezuela pagou um preço alto pelo que Amorim definiu como “quebra de confiança”.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, Lucas Redecker (PSDB-RS), avalia que o governo brasileiro errou ao retomar as relações com a Venezuela, sem impor condições prévias, como a libertação dos presos políticos e eleições livres e transparentes. Ele lembrou que Amorim, durante audiência pública na terça-feira, disse que houve quebra de confiança por parte do Maduro, e defendeu que o Itamaraty adote a reciprocidade e chame de volta sua embaixadora em Caracas, Glivânia Oliveira.
— A decisão de retirar o seu Embaixador de Brasília deve ser acompanhada pela retirada da nossa Embaixadora de Caracas, inclusive, por questão de coerência. Foi essa a atitude tomada pelo Brasil quando a Nicarágua expulsou o nosso Embaixador do país. O Brasil, em reciprocidade, expulsou a Embaixadora deles aqui — afirmou o deputado.
Para Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, uma reação esperada, que poderia ser usada como reciprocidade, seria o Itamaraty chamar de volta ao Brasil a embaixadora em Caracas. Na avaliação de Menezes, Maduro, que já havia atacado a diplomacia brasileira, ao agredir Celso Amorim, está atingindo diretamente o presidente Lula.
— O Brasil nunca reconheceu o resultado da eleição na Venezuela, assim como México e Colômbia. E, enquanto apoiou a entrada da Bolívia e de Cuba no Brics, trabalhou contra a Venezuela. Maduro está cada vez mais isolado e agora tenta forçar o Brasil a romper relações — diz Menezes.
Professora de Relações Internacionais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do programa de pós-graduação em Ciência Política da UniRio, Maria Villarreal concorda com a estratégia brasileira. Para ela, o silêncio, neste momento, é o caminho mais adequado e gerar uma crise nas relações entre Brasil e Venezuela é algo que não deveria interessar a ninguém.
— As críticas do Brasil ao governo venezuelano são pertinentes, uma vez que as eleições venezuelanas foram marcadas por diversas irregularidades e acusações de fraude reconhecidas internacionalmente e o governo não mostrou as atas das eleições como tinha prometido e não tem convocado novas eleições. Nesse sentido, é importante trabalhar pela democracia e a estabilidade da Venezuela, que vai beneficiar a região como um todo — diz Vilarreal.
A professora lembra que os dois países têm uma fronteira de dois mil quilômetros e múltiplos interesses econômicos, políticos e sociais.
— Uma escalada da crise entre ambos países e uma ruptura das relações seria um grave erro, ainda mais em um cenário internacional crescentemente convulso. É importante manter canais de diálogo sempre abertos entre os dois países e o Itamaraty está cumprindo plenamente com a sua função — completou.
Já Marianna Albuquerque, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acredita que a resposta a ser dada por Lula será em caráter informal, em algum próximo contato com a imprensa.
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, observa que chamar o chefe da embaixada para consultas não é romper relações. Barbosa afirma que Lula não foi atacado diretamente por Maduro.