Após o recorde de mortes em desastres aéreos no ano passado, 2025 começou com 22 acidentes que causaram dez mortes até o início deste mês, segundo o Cenipa. A maioria aconteceu na aviação privada, como ontem em São Paulo. Segundo especialistas, os casos refletem um cenário de expansão do mercado da aviação, que, diante de mais demanda, esbarra em problemas de infraestrutura, de formação de novos pilotos e de falta de fiscalização, além dos requisitos de controle mais flexíveis para voos privados.
Em 2024, houve uma alta de 97% nas mortes por acidentes aéreos no Brasil. As 152 mortes registradas foram um recorde na série histórica do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), iniciada em 2014.

Especialista em gerenciamento de risco e segurança pela UFRJ, Gerardo Portela afirma que o aumento recente na quantidade de voos trouxe maior complexidade no controle do espaço aéreo. Para Gerardo, é preciso revisar as normas de voo.
— A complexidade aumentou e as regras precisam evoluir na mesma proporção — resume o especialista, que destaca que voos privados têm menos exigências do que os comerciais. — É um ponto de atenção, porque mais de 80% dos acidentes são da aviação privada. No voo comercial, as decisões e o planejamento são compartilhados entre o aeroporto, a companhia aérea, o piloto e outras instâncias de controle. Na aviação privada, a decisão é do piloto, praticamente sozinho.
Portela acrescenta que o efetivo atual de fiscalização aérea no país é insuficiente. A Agência Nacional de Aviação Civil tem hoje preenchidos apenas 1.237 dos 1.755 cargos previstos. Além disso, a agência passou por uma recente reestruturação organizacional, que afetou o setor da aeronavegabilidade continuada. O setor supervisiona empresas, aviões e oficinas de manutenção.
Falhas em formação
Segundo a Anac, há 24 mil pilotos com habilitação ativa no país hoje. Mas a formação no Brasil não segue os padrões mais exigentes, diz Lucas Fogaça, coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS.
Companhias aéreas exigem diplomas em nível superior, mas a lei obriga apenas a formação técnica para o ofício de piloto. O custo da formação de excelência fica em R$ 400 mil, estima Fogaça. É preciso um mínimo de 150 horas de voo para ingressar na aviação comercial.
— É muito caro formar um piloto no Brasil e muitos acabam procurando formações não homologadas ou escolas com padrões duvidosos para pagar menos. Outros sequer fazem curso da Anac, completam o curso técnico básico de 40 horas e vão voar em outros lugares para acumular horas, como fazendas ou até áreas de garimpo — explica Fogaça, ressalvando que o piloto morto no acidente de ontem teve uma formação completa e possuía experiência em companhias aéreas.
Procurada, a Anac não respondeu. Em dezembro, a agência disse que solicitou mais contratações para o quadro e mantiveram os servidores da fiscalização na nova estrutura, após uma reorganização. A Anac acrescentou que não houve alta na taxa de acidentes para cada 100 mil horas voadas e por esse cálculo, a taxa de 2023 foi maior que de 2024.