Rafaela já perdeu R$500 mil no jogo do aviãozinho — Foto: Reprodução/ Instagram

Rafaela Silva, de 21 anos, viveu uma montanha-russa de emoções por conta de seu vício em jogos de cassino online. Em 2021, ela conheceu o Aviator, também conhecido como “jogo do aviãozinho”, que funciona com várias rodadas de apostas. Em pouco tempo, passou a ter comportamentos cada vez mais agressivos com quem estava ao seu redor — e consigo mesma — para alimentar sua vontade de fazer lances cada vez mais altos no jogo.

Mudança de cidade

Na época, a paulista tinha acabado de completar a maioridade e se mudou do interior de São Paulo, onde morava com os pais, para Minas Gerais. Por lá, conheceu um rapaz com quem engatou um relacionamento. “Passamos um tempo juntos e ele não queria trabalhar, mas queria viver uma vida boa e estável”, lembra, em entrevista a Marie Claire. “Eu comecei a trabalhar com conteúdo adulto, no site Privacy, e ganhava muito dinheiro”, completa.

A influenciadora passou a receber uma média de R$6 mil por noite, um dinheiro que vinha “de forma fácil”, como ela mesmo afirma: “Para mim, eu estava no paraíso, porque nunca me imaginei ganhando tão bem”.

A partir de sua exposição na plataforma adulta, Rafaela viu propagandas do jogo do aviãozinho e resolveu tentar pela primeira vez, já que “não tinha nada a perder”. “No começo eu ganhava e conseguia sempre sacar [o dinheiro], não tinha problema com isso. Faturava de mil a 2 mil reais na semana e tava ótimo, estava de bom tamanho”.

Rafaela relatou sobre vício em suas redes sociais — Foto: Reprodução/ Instagram

Depois de um tempo, o que era lucro passou a ser prejuízo. “Comecei a perder cada vez mais. O que ganhava a noite no Privacy, perdia no outro dia de manhã. E aí trabalhava o dia todo de novo gravando conteúdo e chegava à noite, perdia de novo, mas estava tudo bem para mim porque o meu dinheiro vinha de uma maneira fácil”, relata a jovem, que não queria reconhecer seu vício naquele momento.

Conteúdo adulto

Rafaela chegou a largar sua ocupação como criadora de conteúdo adulto e, por isso, focou no jogo do aviãozinho para conseguir uma renda. Em cerca de dois meses, juntou R$35 mil do que ganhava diariamente, mas acabou perdendo tudo. Por conta de toda situação, resolveu voltar para a casa dos pais em Limeira, São Paulo.

No ano passado, Rafaela conseguiu fazer com que R$250 se transformassem em R$100 mil em somente uma noite. Sua mãe tentou fazer com que sacasse o dinheiro, mas ela optou por continuar jogando — até que perdeu o valor completo mais uma vez. “Eu entrei em estado de choque, fiquei desesperada. Fiquei uma semana de cama, sem comer, mal. Cheguei a pesar 32 kg”, relembra.

Tentando ajudar a jovem, seu pai lhe emprestou R$4 mil numa sexta-feira, mas esse valor também foi usado no jogo. “Comecei a jogar no mesmo dia e me sobrou apenas R$50. Consegui dar a volta por cima durante o fim de semana todo até que fiz R$500 mil. No domingo à noite, solicitei o saque.”

Solução?

O que parecia ser a solução de seus problemas, virou outro pesadelo: “Foi onde toda a luta se iniciou. A empresa passou a me privar, pedir documentos que não tinham nada a ver para segurar esse valor”. Ainda assim, Rafaela conseguiu sacar R$100 mil ao longo de dois meses, mas o restante ficou retido no aplicativo de jogo. “Eles começaram a sumir com meu dinheiro do nada, falavam que nunca tinha transitado na minha conta. Infelizmente a gente é só mais um nas casas de apostas.”

Por volta de novembro de 2023, Rafaela se viu “sem saída” devido ao seu vício. “Fui embora para Minas Gerais de novo e lá fiquei extremamente doente. Extorqui pessoas próximas a mim, inclusive meus pais. Comecei a ameaçá-los para eles me mandarem dinheiro e jogava sem parar. Tomava clonazepam (medicamento ansiolítico) para dormir o dia todo, acordava e queria só jogar. Assim foi num ciclo que durou um mês.”

A situação mudou somente depois que sua mãe decidiu buscar a filha e levá-la de volta para o interior de São Paulo. “Ela achou que eu não parecia bem por ligação. Estava extremamente frágil, só pele e osso. Na mesma semana que cheguei, a gente começou a fazer tratamento. Minha mãe foi atrás de tudo para mim, de psiquiatra e psicólogo.”

Dificuldades

Apesar do momento ser um novo recomeço, a influenciadora passou por muitas dificuldades em seu processo de recuperação e até ameaçou a vida dos pais. “Próximo ao Natal do ano passado, eu tive um surto, tentei matar os meus pais durante a madrugada. Tinha tomado muito remédio, estava abalada e queria jogar”, diz ela, com a voz embargada.

“Fiquei internada depois disso, mas graças a Deus a minha mãe e meu pai não desistiram. Lutaram muito e lutam até hoje por mim. Hoje me considero uma pessoa que está bem, estável. Perto do lugar que já estive, melhorei completamente.”

O processo de recuperação

Faz quase um ano que Rafaela parou de jogar, após ter passado pelo tratamento para o vício. No entanto, nem sempre seu progresso foi linear: “Tive algumas recaídas no começo, o que já era esperado pelos meus médicos. Até hoje tenho muitos gatilhos, qualquer coisa que mexe com meu psicológico me faz querer voltar.”

“Tenho muita abstinência pelo jogo. Parece brincadeira, mas não é. Às vezes meu corpo ‘formiga’, chega a tremer. É uma sensação horrível. Quando eu comecei a perder o dinheiro, tive problema nos nervos da tremedeira. Durante a abstinência também já tive dor de barriga, de cabeça, queimação no estômago, entre outras coisas horríveis”.

A influenciadora afirma que a maior mudança de sua vida foi ver que estava “voltando a ser quem era” antes do vício. “Eu não tinha vontade de me arrumar, de comer e até mesmo de viver. A vida tinha perdido a graça e atualmente tenho exatamente tudo isso de volta”.

“Me deixa feliz saber que as minhas contas estão em dia, que amanhã vou acordar e não vou perder o dinheiro que suei o mês todo para ganhar. É uma sensação incrível, o meu maior prazer hoje é ter mudado de vida”, celebra.

Por que ocorrem sintomas físicos de abstinência?

A psicóloga Marcelle Alfinito, especializada em Psiquiatria e Psicanálise pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que os sintomas físicos de abstinência são “reações comuns quando uma pessoa quebra um padrão comportamental de jogar jogos de aposta que vinha mantendo, “especialmente aqueles que envolvem recompensas rápidas e aleatórias”.

“Esse tipo de atividade ativa fortemente os sistemas de recompensa no cérebro, liberando grandes quantidades de dopamina, o neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Quando o jogo é interrompido, o nível de dopamina cai abruptamente, levando a uma espécie de ‘crise’ no sistema nervoso”, explica.

Os sintomas que Rafaela sentiu, por exemplo, surgiram porque o corpo e o cérebro estavam acostumados à uma quantidade anormal de dopamina e outros hormônios do prazer enquanto jogavam, diz a especialista. “Com a retirada desse estímulo, o sistema nervoso entra em um estado de desequilíbrio e o corpo pode responder de várias maneiras, incluindo dor de cabeça e sensação de calor. Esse processo é semelhante à abstinência de outras substâncias viciantes, como drogas e álcool, que também mexem com o sistema de recompensa do cérebro”.

“Cérebro começa a associar comportamento de apostar à euforia”

O transtorno do jogo, seja pela internet ou não, é algo antigo. “Em relação ao diagnóstico desde 2013, o DSM-5 já havia reconhecido como tal e a partir daí a OMS decidiu incluir o transtorno do jogo como distúrbio oficial de saúde mental no CID-11”, esclarece a psicóloga.

“Quando uma pessoa sente prazer na aposta, é sinal de que o cérebro liberou dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa. Essa liberação de dopamina cria uma sensação de euforia, semelhante àquela experimentada com o uso de drogas. Com o tempo, o cérebro começa a associar esse comportamento de apostar à euforia o que pode levar a um ciclo de compulsão.”

O mesmo ocorre com o abuso de álcool, cafeína, nicotina, dentre outras substâncias. “O cérebro de uma pessoa que abusa do uso das apostas pode desenvolver uma tolerância. Isso significa que a pessoa sentirá necessidade de apostar cada vez mais para alcançar o mesmo nível de prazer que obtinha anteriormente”.

A especialista ainda atenta para o fato de que nem todo mundo que aposta terá um transtorno mental. “A questão será sempre multifatorial. Somos seres biopsicossociais e isso deve ser levado em consideração a todo momento: o biológico, o psicológico e o social”, observa.

Qual é o tratamento para sintomas de abstinência?

O tratamento para transtorno do jogo pode incluir uma combinação de psicoterapia e terapia medicamentosa, além do apoio social. “A pessoa pode contar com grupos de apoio, como o Jogadores Anônimos, que tem apoio emocional e prático de pessoas que enfrentam desafios semelhantes. E não menos importante, envolver a família no tratamento pode ajudar a construir um sistema de suporte e melhorar a dinâmica familiar”.

Marie Claire

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