O dia 2 de outubro de 1974 guarda muitas histórias na lendária Vila Belmiro. O jogo contra a Ponte Preta, válido pelo Campeonato Paulista, que marcaria a despedida de Pelé – e que hoje completa 50 anos – foi cercado de muito mistério em torno do último ato do Rei do Futebol no gramado do Alçapão da Vila. Antes da bola começar a rolar, todos queriam saber a escalação do técnico Elba de Pádua Lima, o Tim. Devido à contusão na partida anterior, contra o Corinthians, no Pacaembu, Pelé jogaria mesmo? Se sim, aguentaria atuar apenas um período?
O fato é que, naquela noite, eram passados 20 minutos do primeiro tempo quando todos os olhos estavam voltados ao camisa 10 santista. Dessa maneira, ele esperou a bola passar pelo meio de campo, decidiu segurá-la com a mão e iniciou um ritual digno da despedida do melhor jogador de todos os tempos. Pelé se ajoelhou no gramado, virou para os quatro lados da Vila Belmiro com mais de 20,2 mil torcedores. Era o fim de uma trajetória maravilhosa de 18 anos com a camisa que ele amou tanto.
Pelé agradeceu a Deus
De braços abertos, ele agradeceu a Deus, aos companheiros e torcedores. Depois, iniciou uma volta olímpica com lágrimas que emocionaram os santistas do mundo inteiro. Um dos colegas do time naquela noite era o ponta de lança Da Silva, que tinha 17 anos, 1,62 metro e 58 kg.
- Foi muito importante para a minha carreira porque eu vinha de uma contusão grave, quando fiquei parado por 1 ano e 2 meses.
Nos 50 anos daquela noite especial, Da Silva lembra com detalhes e muito orgulho tudo que aconteceu.
- Eu fui o último camisa 9 a jogar ao lado do Rei. Eu sou santista, Pelezista e lembro até hoje o que o Pelé me falou. ‘Baixinho Da Silva, jogue o que você sabe. O mundo já me conhece. Hoje vai conhecer você – revela Da Silva, que recordou o ataque santista.
- O Cláudio Adão atuou com a 7, eu com a 9, o melhor do Universo, o Rei Pelé, usou a 10 e o gênio Edu com a 11.
Quem também viveu uma noite inesquecível foi o ponta-direita Gilson que soube que iria substituir o Rei apenas quando chegou na Vila Belmiro, horas antes da partida contra a Ponte.
- Estávamos concentrados na Chácara Nicolau Moran, em São Bernardo do Campo. Por se tratar de um jogo especial, Pelé não se concentrou com o time. Ele se apresentou na quarta-feira de manhã para se encontrar com a gente.
Preleção de Tim
O técnico Tim, reconhecido estrategista no mundo do futebol, deu a preleção ao elenco. Gilson contou que esperava sair jogando, mas o treinador escalou Da Silva. Quando a equipe chegou à Vila Belmiro, Pepe, o Canhão da Vila, à época supervisor do Peixe, chamou Gilson para uma conversa.
- Era para me tranquilizar. Ele me passou confiança, fiquei mais calmo, mas esperei ansioso pelo momento.
Gilson guarda essa história com carinho e emoção.
- Imagine um atleta que estava emprestado pela Portuguesa Santista ter a chance de participar da despedida do melhor jogador do mundo? É uma sensação que não dá para descrever. Entrei, joguei, participei dos lances de gol, mas confesso que só uns dias depois caiu a ficha: eu tinha entrado em campo no lugar do Pelé.
Mesmo depois de tanto tempo, Gilson ainda fica emocionado.
- Dá uma saudade danada. Como eu gostaria de voltar no tempo para curtir mais aquele período. Como os jogadores me receberam bem. E o Pelé, então? Que cara generoso, espetacular. Era tão humilde que quando ia dar entrevista me colocava do lado dele só para mostrar quem era aquele novo ponta-direita do Santos.
Historiador também esteve presente
Quem também esteve na Vila Belmiro na noite do adeus do Rei Pelé foi o historiador do Centro de Memória do Santos Futebol Clube, Guilherme Guarche, que tinha 22 anos naquele 2 de outubro. Ele trabalhou o dia inteiro na antiga Companhia Docas de Santos (CDS), mas não deixou de pensar naquela partida histórica por um só minuto.
- Eu sai correndo para não perder a hora, mas o transporte demorou. Entrei no ônibus 52, em direção à Vila Belmiro, e quando cheguei o jogo estava para começar.
O santista apaixonado arrumou um lugar e ficou em pé atrás do gol da Ponte Preta.
- O que eu me lembro quando o Pelé começou a dar a volta olímpica. Eu saí da Vila e fui embora no início do segundo tempo porque estava chorando. Foi a primeira e última vez que chorei dentro de um campo de futebol.