
Já recebeu uma dica para usar “shampoo lagarto” para dar volume aos cabelos? Embora pareça uma moda excêntrica das redes sociais, essa receita vem de manuscritos médicos. Estes manuscritos foram encontrados por pesquisadores de um projeto internacional, liderado pela Universidade de St. Andrews, na Escócia. O projeto está reavaliando o conhecimento científico do início da Idade Média, um período muito rotulado como “Idade das trevas”.
O estudo envolve instituições de vários países europeus e americanos e tem como objetivo reunir manuscritos médicos latinos anteriores ao século XI. São textos produzidos antes da chamada Revolução da Escola de Salerno, marco que restabeleceu o ensino formal da medicina na Europa, baseado nos modelos greco-romanos.
Esses documentos, ignorados por séculos, estavam muitas vezes escondidos nas margens de livros religiosos, gramaticais ou científicos. Agora, ao serem analisados com atenção, revelam um quadro muito mais complexo da medicina medieval. Este quadro mostra um cenário de trocas culturais, curiosidade científica e práticas terapêuticas. Essas práticas misturavam o saber clássico com tradições locais.
Idade das Trevas

A ideia da ‘Idade das Trevas’ se construiu por pensadores do Renascimento e do Iluminismo. Esta ideia persiste até hoje como uma imagem simplista de um suposto retrocesso. Entre os achados, estão receitas à base de ervas, regimes alimentares sazonais e métodos preventivos de saúde. Além disso, há textos de origem pagã, como a “Esfera de Pitágoras”, usada para prever doenças e adivinhar o sexo de bebês.
A medicina medieval misturava tradição e experimentação. Mas o que mais surpreendeu os pesquisadores foi a presença de ingredientes exóticos. Por exemplo, houve o uso de cravo ou pimenta-do-reino que teriam vindo da Indonésia, enquanto a canela veio do Sri Lanka. O cominho e o açafrão, por outro lado, vieram da Pérsia. Eles teriam vindo de rotas comerciais vastas que ligavam a Europa à Ásia e à África. Isso permitiu a circulação de ideias, remédios e especiarias.
Esses conhecimentos se repassaram através de copiados dos textos feitas por monges cristãos. Tais escritos demonstram que havia um interesse genuíno em compreender a natureza de maneira racional, inclusive com o uso de saberes não cristãos.
“Isso nos mostra que, no que supostamente seria uma era sombria para o conhecimento médico, havia enorme interesse em coletar curas e compartilhar conselhos de saúde confiáveis. Além disso, pudemos mostrar cristãos medievais adotando insights da medicina grega antiga não cristã para compreender as estruturas racionais da natureza”, explica James Palmer, professor da Faculdade de História da Universidade de St. Andrews, em comunicado.
Referencias da medicina atual
A pesquisa também aponta paralelos curiosos com os tempos atuais. Os antigos europeus valorizavam estilos de vida saudáveis e evitavam “toxinas”. Eles acreditavam na importância de hábitos alimentares equilibrados. Essas práticas são muito semelhantes às pregações dos influenciadores de bem-estar de hoje.
O projeto, batizado de Corpus of Early Medieval Latin Medicine, já identificou centenas de manuscritos. Ele pretende lançar um livro com os resultados. Além disso, espera publicar edições traduzidas de alguns textos. A iniciativa não apenas ilumina o passado, mas também convida a uma revisão das ideias que ainda temos sobre a ciência medieval.