“Pai, pai”. Essas foram as últimas palavras de Kamila Vitória Aparecida de Souza Silva. A menina de 12 anos morreu baleada num tiroteio na Favela do Guarda, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio, na noite desta quinta-feira, 5 de dezembro.
Kamila jogava queimado com amigos em uma praça pública, quando um intenso tiroteio teve início. O promotor de vendas Sandro Alves Silva, pai da menina, disse que gritou para a filha se esconder.
Sandro se protegeu em um bar e, quando os disparos pararam, correu para socorrer a filha, mas ela já estava baleada.
Com a ajuda de amigos, ele pegou o carro e seguiu até o Hospital Salgado Filho, no Méier, na Zona Norte. Kamila chegou a passar por uma cirurgia, mas teve uma parada caradiorrespiratória e morreu em seguida.
“As últimas palavras foram: ‘pai, pai’. Eu respondi: ‘deita no chão’. Mas ela tinha sido baleada. Pegamos e levamos para o hospital. Mas ela já estava dando suspiro”, contou o pai, emocionado.
‘Não tive tempo de entregar o presentinho que ela mais queria’
Kamila tinha acabado de concluir o 6º ano na escola e frequentava uma igreja evangélica. Ela iria participar de uma competição de vôlei no final do ano e sonhava em ser veterinária.
“Ela era grandona, estava feliz porque estava participando desse campeonato. Ela tinha passado de ano, estava feliz. Tinha ido para o 7º ano”, contou.
“Estamos devastados. Eu não tive tempo de entregar o presentinho que ela mais queria: a joelheira que iria usar para um campeonato de vôlei da igreja que ela estava participando. Agora, está nas mãos de Deus”, disse Sandro, que também é pai de um bebê de 5 meses.
O pai disse que Kamila era uma criança muito querida e estudiosa.
“A Kamila era uma menina amada por todos. Uma menina nota dez. Quando ela tirava nota ruim na escola, ela prometia pra mim e a mãe dela que ela ia se recuperar. E ela realmente se recuperava.”
O tiro acertou a perna da menina e acabou atingindo a veia femoral, um importante vaso sanguíneo da coxa.
Pouco depois das 10h, a família chegou ao Instituto Médico Legal (IML), no Centro. Muito abalado, o pai da estudante era consolado por parentes e amigos.
Ele lembrou que, por conta da violência na cidade, a esposa sempre pedia para eles voltarem para o Nordeste.
“A minha esposa é mais forte, mas está devastada porque minha filha era muito apegada a ela. Sempre dizia: ‘Eu amo você’. O que aconteceu eu deixo na mão de Deus. Está sendo difícil. Normalmente, vem a imagem dela quando ela chegava em casa. Agora, ver as coisas dela lá tem sido difícil”.
“Eu sou sergipano, e a minha esposa, maranhense. Ela sempre dizia: ‘Vamos embora daqui’. Mas eu sempre disse que aqui era o nosso futuro. Porque eu trabalho e ela trabalha. Mas, agora, infelizmente, a gente repensa em ficar na cidade. Agora, com certeza vamos pensar em sair do Rio”.
O corpo de Kamila deve ser velado e sepultado neste sábado, 7 de dezembro, no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte.
O caso foi registrado na 23ª DP (Méier) e será encaminhado para a Delegacia de Homicídio da Capital (DHC).
Tiros em praça pública
A Favela do Guarda fica entre a Avenida Pastor Martin Luther King e a Linha Amarela. Segundo moradores, homens que eram da milícia e migraram para o tráfico do Comando Vermelho (CV) chegaram de carro e fizeram vários disparos contra a praça pública.
No momento do ataque, várias crianças brincavam no local. Após os disparos, os homens fugiram.
Os tiros também atingiram outro morador da comunidade, que foi ferido de raspão no braço. Levado para o mesmo hospital, foi atendido e liberado. Segundo testemunhas, o homem teria ligação com a milícia.
Testemunhas disseram ainda que, há um mês, o CV entrou na comunidade, matou um miliciano e baleou um morador.
Guerra após morte de miliciano
Desde 2022, traficantes do Comando Vermelho tentam tomar comunidades dominadas por milicianos nos bairros de Inhaúma, Abolição e Pilares, na Zona Norte.
Nessas localidades, quem dominava era o paramilitar Marco Antônio Figueiredo Martins, o Marquinho Catiri, assassinado naquele ano em uma troca de tiros na comunidade da Guarda, em Del Castilho.
Desde então, bandidos e narcomilicianos disputam a bala o comando das comunidades Guarda e Águia de Ouro, em Inhaúma; Cardim e Belém-Belém, em Pilares; e comunidade da Coroa, na Abolição.