Modelo que permite escolher fornecedor de energia elétrica já atinge 56 mil consumidores e se prepara para alcançar residências – Foto: Reprodução

Houve um tempo em que a gente precisava entrar em uma fila de espera para comprar uma linha de telefone. Depois, mesmo com a privatização do setor de telefonia, a falta de competição entre as operadoras de celular ainda tornava o serviço pouco acessível. Foi só com a abertura mais ampla do mercado, que trouxe diversos novos competidores, que chegamos ao cenário atual: acesso rápido e barato à telefonia.

É mais ou menos isso que se espera no setor de energia elétrica a partir da expansão Mercado Livre de Energia. Nesse modelo, o consumidor não fica preso a um único fornecedor – a distribuidora, no caso. Ele pode escolher de quem vai comprar a energia.

Mas, como esse é um serviço super essencial, o processo de abertura desse mercado está acontecendo de forma mais gradual para que todo mundo tenha tempo hábil para se adaptar à nova realidade do mercado.

A liberdade de escolha era uma possibilidade apenas para as grandes indústrias, consumidoras intensivas de energia. Esse direito foi estendido em 2021 a clientes de alta tensão e, desde o ano passado, também para os de média-alta tensão, que pagam uma conta de luz mensal de R$ 7 mil a R$ 10 mil.

São farmácias, lojas, pousadas, restaurantes e pequenas fábricas. A expectativa é que, dentro de alguns anos  – tem gente que fala que será comecinho da próxima década –, esse modelo chegue também ao consumidor residencial: eu e você.

De todo modo, a abertura para as empresas de menor porte já representou uma grande transformação para o setor. Afinal, durante quase 20 anos, o mercado livre atendia apenas empresas do porte de BraskemPetrobras ou Nestlé – aqueles tais consumidores intensivos de energia.

Como a energia representa um custo muito relevante, essas grandes companhias chegam a ter equipes dedicadas a criar estratégias para compra e gestão do insumo. Com clientes tão especializados, o trabalho da comercializadora nessa relação, portanto, era mais simples. Necessidade de auxílio pós-venda, então, praticamente não existia.

Mercado cresceu

Até dezembro de 2024, 64.697 consumidores haviam aderido ao mercado livre de energia, um aumento de 69% em 12 meses na base de clientes desse segmento, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Desse total, 22.943 (35,6%) eram de pequeno porte, de consumo de até 500 Kw por mês.

Mas o potencial de crescimento nesse universo é ainda maior: pelo menos o dobro desse número de consumidores que ainda estão no chamado mercado cativo – aquele atendido pela distribuidora da região, as chamadas concessionárias de energia – têm o perfil adequado para migrar para o mercado livre.

É essa fatia de clientes que as comercializadoras disputam hoje. E de forma acirrada. O primeiro desafio, na verdade, é justamente acessar esse público, que está há décadas acostumado a pedir a ligação da energia de sua casa ou comércio junto à concessionária da região, que vale a pena trocar de fornecedor – sem correr o risco de ficar no escuro.

Essa não é uma tarefa trivial: as equipes precisam de profissionais capazes de falar com o cliente de varejo, mas que também tenham conhecimento do (complexo) setor de energia.

O novo cliente

Agora, a ampliação do mercado livre abriu um oceano de oportunidade para as empresas que vendem energia, só que o cliente aqui é outro, menos tecnificado e que exigirá maior assistência. Logo, para conseguiur navegar nesse ambiente do varejo, as comercializadoras precisaram se equipar – de tecnologia e de profissionais. Tanto para desenvolver um produto que faça mais sentido para esse novo tipo de cliente, como para conseguir vender e oferecer o suporte no pós-venda.

“Antes, não se pensava em experiência do cliente, porque só se negociava com grandes companhias, que tinham seus próprios especialistas. O atendimento era customizado, aprofundado. Agora, a realidade é outra”, define Luísa Blandy, sócia da Fesa Group, empresa de empresa de recrutamento e seleção de executivos. Por causa dessa mudança na vida das empresas, o setor de energia é hoje um dos setores que mais demandam os serviços da Fesa.

“Antes, não se falava em experiência do cliente. E hoje essa é uma preocupação das comercializadoras”, diz Luísa.

A jornada

Hoje, existem 509 comercializadoras – empresas que vão comprar a energia de diferentes geradoras e vender para o consumidor final, sob a condição de oferecer preço vantajoso e melhores serviços. Algumas dessas estão vinculadas a grandes grupos de energia, que também operam nas atividades de geração e distribuição de energia. “A palavra hoje não é expansão, é transformação”, resume Luísa.

Na prática, as comercializadoras precisam negociar com diferentes empresas geradoras – que podem ser tanto do grupo corporativo a que elas pertencem ou qualquer outra companhia – a compra da energia. E levar a tal energia até o endereço do consumidor.

E aí está o primeiro desafio: ter domínio sobre a dinâmica desse mercado para saber a hora certa de fechar a compra do insumo, cujo preço oscila muito. E garantir um desconto em relação ao que a concessionária cobra. Afinal, por que mais alguém vai trocar de fornecedor se não tiver vantagem financeira?

Na sequência: garantir uma forma de cobrança transparente, que permita ao consumidor entender claramente sua fatura. A conta de energia é composta por duas parcelas: o consumo mensal e os custos de infraestrutura – basicamente a manutenção da rede e dos postes instalados pela concessionária, além dos impostos.

Algumas comercializadoras oferecem ao cliente uma fatura única, já incluindo ambas as parcelas (e neste caso, liquidam o valor total com a distribuidora). Outras preferem emitir a cobrança apenas do consumo de energia, enquanto o cliente continua recebendo a fatura dos serviços de infraestrutura diretamente da concessionária.

As grandes comercializadoras, como DeltaAuren e Comerc, investem na digitalização dos serviços para fornecer todas as informações necessárias, garantir atendimento personalizado e estar disponíveis para resolver eventuais falhas no fornecimento. Em geral, os contratos têm duração de dois a três anos, com descontos que variam de 20% a 30% sobre a tarifa de consumo de energia.

“Tem que saber comprar energia, colocar na casa do cliente. Mas o grande desafio é a aquisição do cliente”, define Pedro Somma, CEO da LUZ, startup que faz parte do grupo Delta Energia, criada em 2022.

Consolidação

Depois do boom de novas comercializadoras, a expectativa dos analistas é de que essas empresas reduzam o ritmo de crescimento se concentrem em gerar mais eficiência.

Ao mesmo tempo, há expectativa de que esse setor passe por um processo de consolidação, ou seja, que as maiores e mais preparadas acabem comprando as menores, que eventualmente possam encontrar mais dificuldade em competir nesse mercado. “Vai haver uma depuração nesse mercado, porque muita gente prometeu descontos absurdos e não vai conseguir entregar”, diz Somma.

Muitas dessas comercializadoras são independentes e entraram no setor justamente porque enxergaram nessa flexibilização do mercado livre de energia uma oportunidade de negócio. Para todas essas empresas, o desafio é chegar ao consumidor no varejo, prestar um bom atendimento no pós-venda e conseguir cumprir o compromisso de entregar o desconto prometido na hora do fechamento do contrato.

Um caminho que muitas empresas encontraram foi fazer parcerias com quem já tem experiência em lidar com o cliente de varejo, como empresas de telefonia ou mesmo bancos. A Comerc, por exemplo, fechou uma parceria com o banco Itaú. Já a Auren, outra grande do setor, se uniu à Vivo com esse objetivo. Nos dois casos, as comercializadoras usam a força de venda dos parceiros para alcançar o consumidor de varejo.

InvestNews

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