
Pode até parecer inofensivo num primeiro momento, quando o hype vem entre o grupo de amigos ou “fazer uma fumaça”, seja apontada como uma possível “fuga” para os momentos de estresse. Mas a verdade é que, ainda que de forma assintomática, o organismo de quem fuma já começa a ser afetado nas primeiras semanas de contato com a nicotina. Saiba o que acontece com o seu corpo quando você fuma há 20 anos.
– Nos primeiros cigarros já se inicia um processo inflamatório em toda a via aérea, devido à temperatura elevada da fumaça, causando tosse assim que inalado. Com o tempo, essa tosse pode diminuir e até cessar, porém a destruição e a inflamação continuam. Ocorre liberação de radicais livres oxidando as células e destruindo tanto a parte alveolar quanto a via aérea, além do aumento na produção de muco, na tentativa de proteger e expelir irritantes inalados – detalha a pneumologista Larissa Tavares.
E assim, com o passar dos anos, os danos vão se acumulando, podendo chegar a serem irreversíveis a longo prazo. Além do pulmão, diretamente atingido pelo hábito de fumar, áreas como o coração também podem sofrer impacto, conforme a cardiologista Tayene Quintella.
Impactos do fumo
– Os efeitos iniciais provocados pelo cigarro estão ligados à ativação do sistema nervoso simpático, provocando liberação de adrenalina e, como consequência, aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e da resistência vascular. Há ainda a ação direta sobre o endotélio (camada interna dos vasos sanguíneos) favorecendo formação de placas de gordura e até mesmo oclusões agudas por reações de defesa do corpo, causando infarto ou acidente vascular cerebral, por exemplo. Outra desvantagem é a ação direta da fumaça, pelo monóxido de carbono, que se liga à hemoglobina e diminui a concentração de oxigênio no sangue – destaca.
De acordo com os especialistas, os danos provocados pelo cigarro são cumulativos, podendo causar mais de 50 tipos de doenças diferentes, como câncer de pulmão, traquéia, esôfago, pâncreas, bexiga e estômago. O consumo também aumenta o risco de AVC e infarto, risco de infertilidade, impotência sexual, úlcera gástrica, entre outros. Com apenas um ano de tabagismo, o corpo pode começar a dar sinais, mas com o passar dos anos, as lesões se tornam mais graves e permanentes.
– Os riscos aumentam de forma progressiva, mas se tornam clinicamente relevantes a partir de 10 a 15 anos de exposição contínua. Sendo assim, o risco é diretamente proporcional à carga tabágica (maço/ano). No entanto, tumores em fumantes crônicos tendem a ser mais indiferenciados, com maior instabilidade genômica e pior resposta a terapias, especialmente imunoterapia – explica o Dr. Daniel Przybysz, médico radio oncologista.
Efeitos do cigarro a curto, médio e longo-prazo
1 a 3 meses
- Inflamação crônica nos brônquios;
- Tosse persistente;
- Redução da capacidade pulmonar (ainda reversível);
- Aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial.
6 meses a 1 ano
- Aumento do muco e da dificuldade respiratória
- Primeiros sinais de alteração vascular;
- Diminuição da resistência ao esforço físico;
- Perda de paladar e olfato.
2 a 5 anos
- Surgem sinais clínicos de doenças respiratórias: chiado, dispnéia, infecções frequentes;
- Lesões nos vasos sanguíneos começam a se tornar permanentes;
- Maior risco de infarto e AVC;
- Início de alterações celulares que podem evoluir para câncer;
- Queda na fertilidade e maior risco de impotência.
10 anos
- Risco significativo de câncer de pulmão, laringe, esôfago, pâncreas, bexiga, entre outros;
- Aterosclerose instalada;
- Possibilidade de enfisema pulmonar (DPOC);
- Redução da função cardíaca e vascular mesmo sem sintomas aparentes;
- Cicatrização mais lenta, maior chance de complicações em cirurgias e tratamentos.
20 anos ou mais
- Alta probabilidade de lesões pulmonares irreversíveis;
- Risco quadruplicado de infarto e AVC;
- Aumento de cânceres agressivos e de difícil tratamento;
- Danos múltiplos: pulmões, coração, bexiga, sistema urinário, fígado, pâncreas e até sangue (leucemias);
- Piora drástica da qualidade de vida, mesmo sem diagnóstico formal.
Para quem fuma há muitos anos mas ainda não recebeu nenhum diagnóstico grave, os médicos alertam que os efeitos já estão em curso.
– Com o tempo o paciente vai percebendo a redução da tolerância ao esforço físico, alterações de paladar e olfato, por vezes negligenciadas com desculpas como “processo de envelhecimento” ou “falta de condicionamento físico” – explica a pneumologista.
O sistema cardiovascular, mesmo em fumantes jovens ou com poucos anos de exposição, também sofre.
– A exposição ao tabagismo, mesmo que leve ou até mesmo em fumantes passivos, aumenta consideravelmente em relação àqueles pacientes sem contato com tabaco. Essas alterações podem ser vistas em avaliação médica e exames complementares, até mesmo antes de gerarem sintomas que chamem atenção do paciente ou familiar – conforme Tayene.
Vale a pena parar, mesmo após décadas?
A resposta é sim. E quanto antes, melhor.
– Parar reduz significativamente o risco ao longo do tempo. Em 10 a 15 anos sem fumar, o risco de câncer de pulmão pode cair quase à metade em relação ao risco de um fumante ativo – afirma Daniel Przybysz.
No sistema respiratório, há recuperação parcial das funções.
– Ao cessar o tabaco, o processo inflamatório irá diminuir. Já nos primeiros minutos sem o cigarro há redução da pressão e dos batimentos cardíacos – explica Larissa.
– Em um ano, o risco de doença cardiovascular reduz 50%. Em cinco anos, o risco de câncer de pulmão também reduz pela metade – destaca Daniel.
Para quem fuma, o acompanhamento médico é essencial. A recomendação é que todos os tabagistas façam espirometria, exame que avalia a função pulmonar. Já os fumantes com mais de 20 anos de exposição devem realizar tomografia de baixa dosagem anualmente. Em alguns casos, pode ser necessário investigar sintomas urinários ou alterações na voz e deglutição, que podem indicar lesões iniciais.
Fontes:
Daniel Przybysz é médico radio oncologista.
Larissa Tavares é pneumologista.
Tayene Quintella é médica cardiologista.