
Em meio ao julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado liderada por Jair Bolsonaro, completou-se 39 anos desde que o ex-presidente foi preso pela primeira vez.
Como descrevem documentos do Superior Tribunal Militar (STM) de 1986, Bolsonaro, na época com 31 anos, ficou preso por 15 dias em um quartel no Rio de Janeiro. Isso ocorreu após ir contra as ordens de seus superiores no Exército, “ferido a ética e gerando clima de inquietação na organização militar”.
A razão da punição do capitão do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista foi o envio de um artigo intitulado “O salário está baixo”, publicado pela revista Veja. Nele, Bolsonaro denunciou a má remuneração das tropas. Além disso, alertou para a “falta de perspectiva funcional” no Exército, lembra a CNN.
“Um Exército desprestigiado é um país vulnerável. E o Brasil, com sua dimensão continental, não pode ser um país vulnerável”, escreveu ele. “Reclamo – como fariam, se pudessem, meus colegas – um vencimento digno da confiança que meus superiores depositam em mim. Não consigo sonhar as necessidades mínimas que uma pessoa do meu nível cultural e social poderia almejar.”
Reação dos militares
Tal publicação foi considerada pelos superiores militares como uma infração a seis artigos do regulamento do Exército em vigor na época. Entre eles, a manifestação de assuntos políticos, a discussão de assuntos militares em veículos de comunicação e ser indiscreto em relação a assuntos de caráter oficial.
No mesmo artigo, Bolsonaro assinou com uma frase que, futuramente, atravessaria a trajetória política do país: “Brasil acima de tudo”. Era um sinal precoce de como aquele militar de carreira, até então sem projeção ou grande reconhecimento popular, começava a construir sua identidade pública.
Apesar de ter cometido uma infração considerada grave, Bolsonaro não foi condenado à pena máxima de 30 dias de prisão. Isso porque aquela era a primeira punição do tipo para ele. Em vez disso, foi condenado a 15 dias de cárcere, com início no dia 1º de setembro de 1986.
Segundo a BBC News, há poucos detalhes sobre o período em que Bolsonaro ficou preso. Isso porque o próprio ex-presidente não costuma falar sobre o assunto. No entanto, o regimento do Exército em vigor na época sugere que a prisão disciplinar consistia “no encarceramento do punido em local próprio e designado para tal”.
Mesmo assim, de acordo com o regimento, o preso podia, caso autorizado, se alimentar no refeitório. Como era capitão, Bolsonaro provavelmente tampouco ficou preso no mesmo lugar que outros punidos de patentes mais baixas.
Acusação de planejar bombardeios
Depois de cumprida a pena em 1986, Bolsonaro passaria apenas um ano longe das manchetes. Em 28 de outubro de 1987, a Veja acusou o então militar de planejar, junto a outro capitão do Exército, Fábio Passos, a explosão de bombas na Vila Militar do Rio, na Aman e em quartéis.
Chamado para dar explicações na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), o ex-presidente fez uma defesa negando o encontro com a jornalista responsável pela matéria, Cássia Maria, e o teor da reportagem. A negação e o apoio do Exército foram noticiados nos dias seguintes.
Poucos dias depois, a Veja publicou uma nova manchete “O ministro do Exército acreditou em Bolsonaro e Fábio, mas eles estavam mentindo”. A reportagem trazia croquis feitos à mão atribuídos a Bolsonaro, que foram peças-chave para instaurar uma sindicância no Exército, julgada por um Conselho de Justificação.

Mentira de Bolsonaro
Em uma primeira avaliação, o órgão concluiu por unanimidade que Bolsonaro mentiu ao negar as conversas com a revista. Também atestou que havia o plano de explodir bombas. A decisão do Conselho foi enviada ao ministro do Exército, Leônidas Gonçalves, que concordou com a decisão de afastamento de Bolsonaro e seu comparsa Passos.
Como destaca a BBC, os militares recorreram da decisão e o processo então subiu ao Superior Tribunal Militar. A defesa construiu sua argumentação em torno da desqualificação dos croquis como provas que ligassem diretamente Bolsonaro à autoria do plano.
A estratégia deu certo e, por 9 votos a 4, o STM absolveu Bolsonaro e Passos. Dessa forma, o capitão se reintegrou às Forças Armadas brasileiras. Entretanto, ele permaneceu apenas alguns meses, até deixar a carreira militar de vez, para se dedicar integralmente à vida política.

Nova ameaça de ir para a cadeia
Hoje, 39 anos depois daquela primeira detenção, Bolsonaro volta a enfrentar problemas com a Justiça. E, desta vez, em escala incomparavelmente maior, respondendo a acusações de conspirar contra a democracia por meio de cinco crimes:
- Liderança de organização criminosa;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Danos contra o patrimônio da União; e
- Deterioração de patrimônio tombado.
Se em 1986 sua prisão disciplinar cabia em notas de rodapé, tendo se noticiado em poucos jornais locais, agora as acusações contra Bolsonaro estampam as capas dos principais veículos jornalísticos do país e do mundo. Vale lembrar que a prisão do ex-presidente se colocou no centro das discussões sobre a taxação imposta pelos EUA aos produtos do Brasil.
Como publicou o G1, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, confirmou que os EUA poderão tomar mais medidas retaliatórias caso o julgamento de Bolsonaro termine com a condenação do ex-presidente. “Trump não tem medo de usar meios econômicos nem militares para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”, disse ela em coletiva na terça-feira, 9 de setembro. O julgamento de Jair Bolsonaro na Primeira Turma do STF pela tentativa de golpe já tem dois votos pela condenação. Alexandre de Moraes, relator, classificou o ex-presidente como líder da trama. Ele defendeu penas severas; Flávio Dino acompanhou o voto, mas sugeriu punições menores para alguns réus.
Placar do julgamento
Por enquanto, o placar está em 2 a 0 contra Bolsonaro. Só é necessário mais um voto para formar a maioria necessária para condenar o ex-presidente pelas acusações. Isso pode levar a até 43 anos de prisão, caso a pena máxima se acate.
Luiz Fux deve finalizar o seu voto ainda nesta manhã. Ele se seguirá na sequência por Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Eles devem proferir seus votos entre quinta, 11 de setembro, e sexta, 12 de setembro. Caso não haja pedido de vista, a decisão final deve sair até o fim da semana.