
Uma jovem que prenderam injustamente por 6 anos morreu dois meses após júri a absolver. Damaris Vitória Kremer da Rosa, 26 anos, não resistiu às complicações de um câncer no colo do útero diagnosticado enquanto estava na cadeia. A sepultaram na última segunda-feira, 27 de outubro, no Cemitério Municipal de Araranguá (SC).
Conforme os registros da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, prenderam Damaris preventivamente em agosto de 2019, por suposto envolvimento no homicídio de Daniel Gomes Soveral, ocorrido em novembro de 2018, em Salto do Jacuí, no Noroeste do RS.
A denúncia se ofereceu à Justiça em julho de 2019. Na ocasião, a Promotoria alegou que Damaris “ajustou o assassinato juntamente com os denunciados” e manteve “conduta dissimulada, um relacionamento com a vítima, de modo a fazê-la ir até Salto do Jacuí, local estipulado para a execução”.
Conforme o MP, outras duas pessoas tiveram envolvimento na morte: Henrique Kauê Gollmann (namorado de Damaris na época) e Wellington Pereira Viana. Henrique teria efetuado o disparo que matou Daniel, e Wellington “concorreu para a prática do fato ao ajustar e auxiliar na organização do homicídio”.
Recolheram Henrique no Presídio Estadual de Venâncio Aires. O júri o condenou pela morte. Welligton chegou a ser levado para o Presídio Estadual de Santa Cruz do Sul. Ele se absolveu das acusações.

Defesa
A defesa de Damaris sustenta assim que ela apenas contou a Henrique que teria sido estuprada por Daniel. Assim sendo, em retaliação, ele teria assassinado o homem e ateado fogo no corpo.
Ao longo do processo, protocolaram pedidos de revogação da prisão de Damaris, que então receberam pareceres negativos do Ministério Público e se indeferiram pela Justiça. Ela relatava problemas de saúde, como sangramento vaginal e dor na região do ventre.
“Apesar da suposta fragilidade na saúde da ré, tal alegação é pautada em mera suposição de doença, tendo em vista que os documentos médicos juntados nos autos apenas apontam a indicação de ingestão de medicamentos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos”, argumentou o MP.
“Não há demonstração suficiente de a ré estar extremamente debilitada por motivo de doença grave, na medida em que os documentos médicos são meros receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos”, pontuou a Justiça.
Tornozeleira e júri
Damaris passou por penitenciárias em Sobradinho, bem como em Lajeado, Santa Maria e Rio Pardo. Entretanto, apenas em março de 2025, a prisão se converteu em domiciliar. A decisão se deu principalmente em razão do diagnóstico de câncer e do agravamento dos problemas de saúde da mulher.
No mesmo mês, determinaram a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido. Em abril, a Justiça autorizou, a pedido da defesa, que Damaris permanecesse na casa da mãe, em Balneário Arroio do Silva (SC), com tornozeleira.
“Fiz petições manifestando que ela estava tratando câncer e precisava transitar por hospitais. Ainda, havia a oscilação do peso. Pedi remoção da tornozeleira, mas nenhum desses pedidos se atendeu. Ela foi submetida a raio-x, exames, tudo com tornozeleira”, relata a advogada Rebeca Canabarro.
Entretanto, o caso de Damaris foi a julgamento apenas em agosto. O Conselho de Sentença assim absolveu a jovem de todas as acusações a ela imputadas (ter matado a vítima e ateado fogo no veículo com o corpo dentro) por negativa de autoria baseada na falta de provas. No entanto, ela morreu 74 dias depois.
O que é prisão preventiva?
A prisão preventiva está prevista no Código de Processo Penal (CCP), quando o suspeito apresenta assim:
- risco à ordem pública;
- risco à ordem econômica;
- risco ao andamento das investigações;
- risco de fuga.
Além disso, também deve se aplicar quando a liberdade do investigado gerar uma situação de perigo para a sociedade.
O que diz o Tribunal de Justiça do RS
“O Tribunal de Justiça não se manifesta em questões jurisdicionais.
Com relação ao caso, se avaliaram três pedidos de soltura.
O primeiro em 2023, que se negou pelo magistrado da Comarca, pelo TJRS e STJ em sede de recurso.
Quanto ao segundo pedido, em novembro de 2024, em que a defesa da ré alegava motivo de saúde, a decisão aponta que os documentos apresentados eram receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos.
Em 18 de março de 2025, a prisão preventiva da ré foi convertida em prisão domiciliar, sendo expedido alvará de soltura. A decisão foi motivada pelo estado de saúde da ré, diagnosticada com neoplasia maligna do colo do útero, necessitando de tratamento oncológico regular.
Ainda em março de 2025, foi autorizada a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido ao Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico.
Em abril de 2025, a ré iniciou tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia no Hospital Ana Nery em Santa Cruz do Sul, sendo posteriormente transferida para o Hospital Regional em Rio Pardo.
Em 09/04/2025, foi concedido parcialmente o pedido da defesa, autorizando:
a) a transferência e cumprimento de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico por tornozeleira;
b) a permanência na residência da mãe da ré, em Balneário Arroio do Silva-SC; e
c) o deslocamento da ré até o Hospital São José em Criciúma para consultas e tratamento oncológico.
Em agosto de 2025, foi realizado o julgamento da ré pelo tribunal do júri, quando ocorreu sua absolvição pelos jurados.”
O que diz o Ministério Público do RS
“Na primeira oportunidade em que foi informada nos autos a doença da ré, não houve comprovação desta informação. Mas, a partir do momento em que a defesa fez o segundo pedido de liberdade, alegando e comprovando a doença, a ré foi, então, solta.”