Há 14 anos, o ex-goleiro Bruno Fernandes, então titular do Flamengo, vivia o auge de sua carreira. E foi justamente por isso que o assassinato de Eliza Samudio, então aos 25 anos, chocou o país. A jovem, que era amante do jogador e havia engravidado dele, desapareceu e foi morta, vítima de cárcere privado, estrangulamento e esquartejamento, em julho de 2010. Bruno foi apontado como mandante do crime e, além dele, mais seis pessoas foram julgadas pelo assassinato de Eliza.
Durante toda a intensa cobertura do caso, foi a atuação de um jogador famoso de um dos maiores clubes do Brasil, prestes a ser escalado para a Seleção Brasileira, que chamou a atenção e se destacou na mídia. É diante disso que o documentário “A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio” propõe uma espécie de rota de correção para contar a história do ponto de vista dela, e revelar pela primeira vez detalhes de quem foi Eliza e o que viveu em seus últimos dias.
Já disponível na Netflix a partir desta quinta-feira, 26 de setembro, o documentário dirigido por Juliana Antunes, com roteiro de Caroline Margoni e Carol Pires, narra a vida e a morte da modelo a partir da visão de amigos e familiares, contando com registros deixados pela jovem e levando em consideração as acusações machistas que caíram sobre ela, sobretudo diante de uma narrativa de que ela teria engravidado de Bruno por ser “Maria Chuteira” –termo muito usado até os anos 90 para designar mulheres que se aproximavam de jogadores de futebol. O documentário expõe comentários que chegaram a ser feitos sobre Eliza em redes sociais, alguns dizendo que ela “mereceu” e outros que ela apenas queria fama.
Documentário revela histórico inédito de conversas
O documentário “A Vítima Invisível” teve acesso ao computador pessoal de Eliza Samudio, no qual havia registros de suas conversas no MSN. Embora parte dessas conversas já tivessem sido divulgadas ao público pelo “Fantástico”, ainda em 2010, o filme traz novos trechos, em que a jovem fala com amigos sobre a vontade de voltar a estudar, o medo que tinha das ameaças de Bruno e o desejo de resolver o imbróglio com o goleiro na Justiça para acertar a pensão do filho.
Sem depoimentos de Bruno, mandante do crime, ou de outros condenados pela morte de Eliza, o filme tem apenas uma personagem que representa o outro lado: Dayanne Rodrigues, ex-esposa de Bruno, na época acusada de ser cúmplice do crime e de manter em cárcere privado o bebê Bruno Samudio, então apenas com quatro meses. Absolvida durante o julgamento em 2013, ela conta do histórico de namoradas de Bruno enquanto os dois ainda eram casados e fala da convivência com Eliza no sítio de Bruno, onde ela passou seus últimos dias em vida, sendo constantemente agredida.
Família conturbada e sonho de seguir carreira no esporte
Outro foco importante do documentário diz respeito à vida de Eliza em família, e há depoimentos da mãe, do pai, das madrastas e de amigas de Eliza que conviveram com ela desde a infância. Apaixonada por esportes, ela era goleira de futebol de salão, e saiu de sua cidade-natal, no Paraná, para se mudar para São Paulo (e, posteriormente, para o Rio de Janeiro) e perseguir o sonho de seguir carreira em algum grande time.
Criada pelo pai quando criança, Eliza veio de uma família complicada. A mãe diz que foi vítima de abuso e violência por parte do ex-marido, e que chegou a ser ameaçada por ele quando tentou recuperar a guarda da filha. O pai de Eliza, Luiz Carlos Samudio, teve prisão decretada em 2011, em processo por atentado violento ao pudor contra uma menina de 10 anos, ocorrido em 2003. Ele também dá depoimentos ao documentário, mas não se manifesta sobre tais acusações.
Documentário quer tirar Eliza da invisibilidade
Ainda que não apresente novidades conclusivas sobre o caso de Eliza Samudio, “A Vítima Invisível” propõe uma reflexão sobre o tratamento dado a ela pela mídia, considerando que, retomando dados históricos, muito se falou em Bruno e pouco foi apresentado ao público sobre a história de Eliza. O termo “A Vítima Invisível” é utilizado pela advogada de defesa da mãe de Eliza, ao relatar que a moça pediu ajuda tanto à Justiça quanto à imprensa e, ainda assim, não foi enxergada.
Cabe salientar que, hoje, tanto o ex-goleiro quanto seu amigo conhecido como Macarrão, Luiz Henrique Romão, cumprem pena em liberdade condicional. Já Bola, o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, voltou para a prisão em julho deste ano, condenado por outro assassinato.
Relembre o caso
Eliza Samudio conheceu o goleiro Bruno Fernandes em 2009. Os dois tiveram um caso e ela engravidou.
No mesmo ano, ainda grávida, Eliza relatou à polícia que teria sido mantida em cárcere privado por Bruno e dois amigos, Russo e Macarrão, e forçada a tomar pílulas abortivas. Agredida e ameaçada de morte, ela chegou a prestar queixa e pedir uma medida protetiva, que lhe foi negada.
Segundo investigações da polícia, o assassinato de Eliza Samudio ocorreu após ela passar cerca de seis dias no sítio do jogador, em Esmeraldas (MG), a pedido dele. Eliza teria sido atraída ao local na esperança de negociar um acordo e uma reconciliação com Bruno.
O caso veio à tona após um jovem de 17 anos, primo do goleiro, confessar o envolvimento no sumiço de Eliza. Segundo ele, a jovem teria sido levada à casa do ex-policial bola, onde foi morta e esquartejada a mando de Bruno. A versão de que o corpo teria sido dado a cães comerem não foi confirmada pela Polícia.
Bruno foi condenado a 22 anos e 3 meses em regime fechado; Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, foi condenado a 22 anos; Luiz Henrique Romão, o Macarrão, foi condenado a 15 anos; Fernanda Gomes de Castro foi condenada a 5 anos de prisão pelo sequestro e cárcere privado de Eliza e Bruninho.