Apesar dos esforços do Ministério da Educação para conter e melhorar os cursos universitários de graduação à distância, o número de matrículas deve ultrapassar o de alunos em cursos presenciais em 2024, avalia o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com o Censo de Educação Superior, de 2023, divulgado ontem, a diferença entre os dois grupos é de apenas 150 mil matrículas.
No ano passado, o país tinha 9,9 milhões de universitários em 2.580 instituições (2.264 privadas e 316 públicas). O aumento de 5,6% foi o maior em nove anos. Mas deste total, 4,9 milhões são pessoas que estudam diante de uma tela de computador, e sem sala de aula.
— É bem provável que no ano que vem essa curva vai se cruzar — afirmou Carlos Eduardo Moreno, diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, prevendo o que deverá ser apontado no censo do ensino superior referente a este ano mas que será divulgado em 2025.
O número de novos alunos nos cursos on-line já ultrapassa o de novos estudantes na modalidade presencial desde 2020. Em 2023, foram 3,3 milhões na modalidade à distância e 1,6 milhão no outro grupo.
Em maio, o MEC homologou um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) limitando a formação à distância de professores (licenciaturas e Pedagogia) a até metade do tempo total do curso. As instituições, no entanto, têm até o segundo semestre de 2026 para se ajustarem às novas medidas. Em junho, a pasta suspendeu até 10 de março de 2025 a criação de novos cursos de graduação à distância, novas vagas e polos de Ensino à Distância. Mas os que já existem podem matricular novos alunos normalmente.
A modalidade EaD correspondeu a 90% das 852.476 matrículas em cursos de Pedagogia nas redes pública e privada no ano passado, de acordo com o levantamento do Inep. Pelo segundo ano consecutivo, a formação teve o maior número de estudantes no Brasil.
A preocupação do MEC é a mesma de especialistas que veem barreiras na formação, especialmente de profissionais de Educação, em cursos majoritariamente à distância. Para Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas do Todos Pela Educação, a limitação nos cursos de licenciatura tem de ter “forte supervisão” do MEC para funcionar.
— Muitas instituições têm aberto cursos totalmente à distância, sem nenhum apreço pela qualidade, numa lógica de baratear o máximo possível para ganhar escala. Isso tende a acabar. A gente já pode começar a ver um efeito em 2025 em relação a novos cursos, mas o movimento maior de mudanças deve começar a ocorrer a partir de 2026 — avalia.
De acordo com o censo divulgado pelo Inep, as instituições privadas concentraram 79,3% dos estudantes (um crescimento de 7,3%) e também são maioria no ensino à distância. O setor teve 3,2 milhões dos novos alunos na modalidade EaD (73% do total) e 1,1 milhão dos calouros de cursos presenciais (27%).
— O número total de alunos matriculados no ensino superior cresceu, o que é uma boa notícia. Nosso desafio é investir na qualidade da educação à distância, que permite a democratização do acesso ao ensino superior — afirmou Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Na apresentação dos dados, a secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do MEC, Marta Abramo, anunciou que “em breve” a pasta terá um documento para apresentar novas diretrizes e instrumentos para aferir a qualidade do ensino à distância.
— A gente associa esse crescimento a uma alteração nas normas regulatórias que aconteceram (a partir de 2017) e a uma mudança nos instrumentos de avaliação. Isso deu uma flexibilidade de regras que permitiu essa expansão quase que automática. (Esses cursos) não foram, na nossa visão, acompanhados de instrumentos adequados — afirmou.
O secretário executivo do Ministério da Educação, Leonardo Barchini, disse que finaliza estudos para criar um instituto focado apenas na qualidade da educação superior. A ideia é enviar um projeto de lei ao Congresso. No ano passado, o ministro da Educação, Camilo Santana, havia dito ao GLOBO que a pasta pretende usar como modelo para uma “superagência” de fiscalização das universidades uma proposta enviada ao Congresso na gestão de Dilma Rousseff.
— O MEC está preocupado não só com a qualidade dos cursos à distância, como os presenciais. Tivemos várias ações neste ano e no ano passado para tentar conter o aumento do número de vagas desenfreadas e sem qualidade da EaD, especialmente nas licenciaturas. Mas, no geral, é um sistema de avaliação que funciona há 20 anos. Naturalmente, há revisões a fazer — declarou Barchini.
O Censo da Educação Superior de 2023 também mostrou que 51% dos estudantes que ingressaram por meio de cotas em universidades e instituições federais concluíram o curso, percentual que caiu para 41% entre os não cotistas.
Em faculdades da rede privada, o cenário é similar: as taxas de conclusão entre estudantes que ingressaram por meio de programas federais, como Prouni (programa que disponibiliza bolsas para pessoas de baixa renda) e Fies (que financia mensalidades), foram maiores em comparação aos que não entraram com os auxílios.
Entre quem utiliza o Fies, a conclusão da graduação foi de 49%, ante 34% dos que não utilizam. Já em relação ao Prouni, o índice foi de 58%, contra 36% entre estudantes que não têm o suporte.
O censo revelou que 20,4% dos jovens de 18 a 24 anos não terminaram e não frequentam o ensino médio no país, enquanto 1,2% não chegaram à etapa porque ainda estão no ensino fundamental. Isso significa que um a cada cinco pessoas da faixa etária não terminaram o ensino médio e não o frequentam.
Enquanto isso, 21,6% de jovens com a mesma idade estão no ensino superior e 4,3% já concluíram a graduação nessa etapa. No ano passado, o Ministério da Educação fixou a meta de aumentar para 33% o número de ingressos na educação superior dentro da faixa etária.
Pela primeira vez, o censo trouxe uma análise sobre o acesso à educação superior logo após a conclusão do ensino médio, e o levantamento mostrou que alunos de escolas da rede federal e rede privada entram mais rápido na graduação. Dos concluintes do ensino médio em 2022, 27% entraram na educação superior em 2023. Essa proporção, em escolas federais, é de 58%; e nas escolas privadas, de 59%.
O Globo