A Justiça proibiu que financeiras ofereçam empréstimos com o celular como garantia e declarou ilegal o bloqueio remoto dos aparelhos em caso de inadimplência. A decisão foi anunciada na última quinta-feira (8) pela 2ª turma cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O julgamento foi unânime. Dessa maneira, tem efeito imediato e repercussão em todo o território nacional. A decisão foi uma resposta à ação coletiva realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em conjunto com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

A ação teve como alvo duas empresas específicas: a SuperSim e a Socinal — financeiras voltadas para o público de baixa renda. Elas oferecem empréstimos com celular como garantia.

Segundo o Idec, essas empresas exigem que, ao assinar o contrato de empréstimo, o consumidor instale um aplicativo específico em seu celular. Esse aplicativo teria a função de bloquear várias funções em caso de não pagamento das parcelas.

Além de proibir que as empresas exijam a instalação do aplicativo, o TJDFT determinou que esses aplicativos se retirem das lojas virtuais no prazo de 15 dias. Caso contrário, haverá multa diária de R$ 100 mil. Também indicou que uma multa de R$ 10 mil estará sendo aplicada para cada novo contrato com cláusula semelhante.

Direito fundamentais dos consumidores

O Tribunal entendeu que a prática ofende direitos fundamentais dos consumidores, especialmente o direito à dignidade, à comunicação, ao trabalho e à informação.

A decisão destaca que o público atingido é “hipervulnerável”. Dessa maneira, este grupo está composto, em sua maioria, por pessoas de baixa renda. Portanto, elas têm acesso limitado ao crédito formal e um grande risco de inadimplência.

O TJDFT também pontuou que o bloqueio unilateral, sem autorização judicial ou notificação prévia, afronta o devido processo legal garantido pela Constituição Federal. Além disso, reconheceu que os juros cobrados por essas financeiras são abusivos.

As taxas muitas vezes chegavam a 18,5% ao mês, mais do que o dobro da média divulgada pelo Banco Central do Brasil, de 6,41%.

Para o Idec, a decisão é uma “vitória incontestável contra a crueldade disfarçada de inovação”.

“Essa prática abusiva, usada pela SuperSim como chantagem digital contra pessoas endividadas e vulneráveis, é inaceitável em qualquer sociedade que se diga minimamente justa”, disse o órgão em nota oficial.

Procurada, a SuperSim afirmou que irá recorrer da decisão do TJDFT. “A SuperSim informa que irá recorrer da decisão e ressalta que sempre atuou em conformidade com a legislação bancária e consumerista. Além disso, segue firme em seu propósito de contribuir com a inclusão financeira das classes C e D”, disse a empresa em nota oficial.

A Socinal não havia respondido às solicitações de contato até a publicação desta reportagem.

Vai e volta

A batalha contra as práticas das duas financeiras por parte do MPDFT e do Idec já dura mais de dois anos. Nesse meio tempo, em novembro de 2022 se iniciou a primeira ação coletiva.

Na época, além de pedirem que a SuperSim e a Socinal deixassem de firmar contratos de empréstimos, os dois órgãos solicitaram que o celular dos clientes não fosse exigido como garantia. Dessa forma, eles também pediram regra para prevenir algo semelhante no futuro. Os órgãos solicitaram ainda condenação por danos morais coletivos no valor de R$ 40 milhões.

A ação foi distribuída à 23ª vara cível de Brasília. Em decisão nacional publicada em julho de 2023, a juíza já havia dado uma determinação semelhante à vista nesta quinta-feira. Ela proibiu que as financeiras bloqueassem o celular dos clientes. Também ordenou a retirada dos aplicativos das lojas virtuais e aplicou multas semelhantes para o descumprimento.

Segundo o coordenador jurídico do Idec, Christian Printes, as duas empresas apresentaram suas defesas. Elas entraram com três recursos (pedidos formais para que a decisão fosse reavaliada), mas não obtiveram sucesso. A sentença apenas não condenou as companhias ao pagamento de dano moral coletivo.

“Dessa decisão, Idec e MPDFT recorreram ao TJDFT para tentar garantir a condenação das empresas ao pagamento do dano moral coletivo. Em paralelo, a SuperSim recorreu para reverter a condenação e continuar ofertando os empréstimos com garantia de celular”, conta.

Ainda segundo Printes, a SuperSim realizou um pedido ao desembargador Renato Rodovalho, da 2ª turma cível do TJDFT. Relator do caso, ele foi acionado para suspender a sentença. A decisão impossibilitava a oferta de contratos de empréstimo com garantia de celular. Concederam o pedido em novembro de 2023.

O Idec e o MPDFT recorreram, então, da decisão que suspendeu os efeitos da sentença e aguardaram o julgamento. Agora, mesmo após a decisão tomada na véspera, as duas empresas ainda podem recorrer.

G1

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