Aluno da escola municipal do Rio com celular, antes de proibição — Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro

A ideia do Ministério da Educação (MEC) de proibir celulares nas escolas pode encontrar dificuldades de implementação, a resistência de alunos e até de parte das famílias, apontam professores e pesquisadores. Experiências brasileiras mostram que só a lei não basta, que é preciso o envolvimento ativo das secretarias de educação e de trabalhos pedagógicos de conscientização. Atualmente, 20 estados já até possuem leis similares, mas apenas 12% de suas escolas declararam adotar a medida de fato, de acordo com a pesquisa TIC Educação 2023 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Na semana passada, o ministro Camilo Santana anunciou que prepara para outubro um projeto de lei que prevê o banimento dos aparelhos nas escolas, medida que deve valer para todas as escolas do país, públicas e particulares. A proibição faz parte de um pacote de ações para reduzir o excesso de uso de telas por crianças e jovens e melhorar a atenção dos alunos em sala de aula.

Ainda de acordo com a TIC Educação 2023, 33% das escolas municipais e 29% das privadas também baniram completamente o uso de celulares. O levantamento mostra ainda que esse fenômeno tem começado pelas crianças menores: 42% dos colégios até o 5º ano do ensino fundamental já tomaram essa medida. Já entre aqueles que possuem até o ensino médio, esse índice cai para 7%.

— Baseado em estudos científicos, em experiência mostrando o prejuízo do uso desse equipamento livre para os alunos nas escolas, vamos discutir inclusive se a proibição será em sala de aula ou na própria escola. Claro que, sendo um projeto de lei, será discutido no Congresso Nacional — afirmou o ministro da Educação.

Há a expectativa de que o projeto de lei fique pronto ainda na primeira quinzena de outubro e que determine a proibição não só em sala de aula, mas em toda a escola, num modelo similar ao adotado pela prefeitura do Rio no começo de 2024. Além disso, é provável que o texto dê autoridade ao professor que queira usar o equipamento com os alunos para as aulas, utilizando-o para fins pedagógicos, segundo fontes que acompanham a discussão dentro da pasta. A proposta, no entanto, ainda está em estudo. O MEC analisa as experiências no Brasil e tanto fora do país para definir o que mandará ao Congresso.

Nos estados, as leis que determinam proibições de uso em sala de aula já existem desde 2004. Na maior parte dos casos, porém, as regras foram aprovadas entre 2008 e 2009 ou entre 2014 e 2016. Alguns dos textos são tão antigos que chegam a citar tecnologias já defasadas e praticamente extintas, como aparelhos de MP3 (um tocador de música digital que foi substituído por aplicativos de streaming) e pagers (aparelhos de trocas de mensagens curtas que funcionam pelo uso de frequências de rádio).

Em geral, essas restrições foram criadas pelo Legislativo sem a participação dos governadores e determinam, sem grande detalhamento, que o uso do aparelho é proibido nas salas de aulas de escolas públicas e privadas e, nos demais espaços dos colégios, só pode ser utilizado “no modo silencioso ou para auxílio pedagógico”. Há exceções, como o Estado do Rio, que proibiu apenas para a rede pública estadual, ou Rondônia, que estabeleceu punições como advertências e suspensões aos estudantes que não respeitarem as regras.

Em 2011, logo depois da criação da lei em Goiás que proibiu o uso de celulares nas escolas, publicada em 2010, a pesquisadora Lívia Neida visitou diversas escolas de Anápolis para a dissertação “Entre a apropriação e a proibição: trânsito dos dispositivos móveis em escolas públicas”, pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). No trabalho de campo, ela constatou o forte apoio dos professores e diretores à medida. Na avaliação de Neida, a dificuldade de implementação dessas leis se deu, entre outros motivos, pela falta de medidas que as escolas pudessem tomar para controlar o uso de celular nas salas de aula.

— Isso dificultou os desdobramentos gerenciais e pedagógicos da escola. Mas estamos diante de uma cultura de uso viciante no celular. Uma lei não controla o aspecto cultural — avalia Neiva. — Quando cheguei para o mestrado, defendia o uso do celular na sala de aula. Mas depois de ir ao campo de pesquisa, tive que mudar meu tema. As professoras e diretoras estavam ensandecidas pelos desdobramentos, especialmente comportamentais, do uso do celular na escola e todo mundo era a favor da proibição. Isso lá em 2011.

De lá para cá, a adoção do aparelho só aumentou. Em 2020, o Painel TIC Covid-19, pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostrou que o celular era o principal dispositivo usado pelos estudantes brasileiros para acompanhar as aulas e fazer atividades escolares durante o fechamento das escolas por conta da pandemia de coronavírus. Em 2022, o IBGE mostrou que 54% das crianças de 10 a 13 anos possuíam celular para uso pessoal. Na faixa etária de 14 a 19 anos, esse patamar sobe para 84%.

De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2022, os estudantes brasileiros entrevistados que relataram as situações de distração ao utilizar aparelhos eletrônicos em todas ou na maioria das aulas de Matemática, por exemplo, somam 45%. O percentual está 15 pontos acima da média observada nas nações da OCDE.

Alguns dos problemas práticos para retirar o celular das escolas ficaram expostos em dois episódios com diferença de poucos dias em Várzea Grande, município de 300 mil habitantes no Mato Grosso. Na semana passada, um professor foi agredido pelo tio de um aluno que teve o aparelho recolhido. Na segunda-feira, alunos da Escola Estadual Adalgisa de Barros protestaram no pátio contra a adoção de uma colmeia, móvel com pequenas gavetas para guardar o aparelho dos jovens.

— A diretora já tinha avisado que se não parassem de atrapalhar a aula por conta do uso do telefone, iria tomar outras medidas. Os alunos odiaram — conta uma aluna.

Do lado dos professores, o apoio é total. Manoela Lima, que dá aulas na rede estadual de São Paulo, avalia que o celular nas salas de aula “saiu do controle”. Ela conta que há problemas com jogos em sala de aula e uso das redes sociais. Além disso, os pais ligam para os filhos no meio do horário de aula, reclama.

— Os estudantes não possuem a mentalidade nem a maturidade necessária para utilizar o aparelho apenas no momento devido da tarefa — afirma. — Recentemente tivemos problemas com apostas em meio às aulas, nessas plataformas de jogos de azar. Tudo no celular é mais atrativo do que o professor lá na frente.

No município do Rio, uma das redes que mais tem encampado essa ideia, o decreto foi feito após uma consulta pública da comunidade escolar que teve 87% de apoio para o banimento do celular. Segundo o secretário de Educação, Renan Ferreirinha, os alunos menores levaram pouco tempo para se adaptar.

— Já tinha alunos de 5 anos com celular em sala. Mas com eles a gente explicou a necessidade. Teve uma chiadeira na primeira semana e depois já estavam correndo — lembra.

Entre os mais velhos, no entanto, foi preciso tempo e um trabalho pedagógico especial, que envolveu rodas de conversa e capacitação dos profissionais de educação da rede.

— Claro que teve uma parcela que tentou transgredir. Até hoje tem, mas com o tempo isso foi diminuindo. É um processo de adaptação. Até para o adulto é difícil. Mas a gente mostrou que era para valer. Ele foram vendo que na escola, como em qualquer lugar da vida, tem regras — diz Ferreirinha.

A dificuldade de implementação desse banimento tem sido vista em outros países. No Reino Unido, alunos declararam a uma reportagem da CNN que a medida tomada no fim de 2023 foi um “choque” e que o que mais se ouvia nos corredores era de que não poderiam viver sem os telefones. Diferentes regiões dos EUA também têm discussões parecidas com o Brasil.

Restrições também já foram adotadas por países como França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Canada, Suíça, Portugal e México. O movimento global é potencializado por um relatório da Unesco que pediu, em junho, a proibição dos celulares nas escolas.

Enquanto o governo prepara um projeto para banir os celulares das escolas, uma versão intermediária da proposta está pronta para ser votada na Comissão de Educação da Câmara, presidida pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

A iniciativa, defendida por Nikolas, é de autoria do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) e proíbe celulares e tablets até os anos iniciais do ensino fundamental, com exceção de quando o uso for pedagógico ou necessário para a acessibilidade de alunos com deficiência. Para os anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, haveria um uso controlado de aparelhos eletrônicos, com foco em atividades pedagógicas supervisionadas.

A expectativa é de que o texto, apresentado em 2015 à Comissão de Educação, possa voltar a ser debatido na primeira sessão do colegiado após as eleições municipais.

Na última sexta, depois de o Ministério da Educação informar que vai apresentar um projeto proibindo o uso de celulares nas escolas, Nikolas informou que apoiava parcialmente a medida. À frente da Comissão de Constituição e Justiça, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) se diz favorável a uma mudança que restrinja o uso:

— As crianças estão viciadas em celulares. É importante que a sala de aula seja respeitada.

O Globo

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