A dificuldade de enxergar o quadro da sala de aula, mesmo sentado a poucos metros de distância, fez com que Marcos Viana, de 13 anos, tivesse menor rendimento nas provas. O problema perdurou do quinto ao oitavo ano, momento em que os pais descobriram que o menino tem miopia nos dois olhos. Casos como o de Marcos não são isolados.
Um levantamento feito pelo projeto Em Um Piscar de Olhos com 110.700 alunos, de 6 meses a 15 anos, mostrou que 19% deles tinham algum problema de vista. Desses, cerca de 18 mil não usavam óculos ou qualquer outro tipo de correção. As consequências, segundo educadores, são defasagem no aprendizado e até evasão escolar.
— Tinha dificuldade para ler o que escrevia no caderno, e nas provas eu nem sempre conseguia entender o que estava escrito e acabava escrevendo ou fazendo a conta errada. Também sentia muita dor nos olhos e isso dificultava a leitura — conta Marcos.
A pesquisa foi feita a partir da pré-avaliação da saúde ocular de alunos de 422 escolas, em nove estados. Entre as mais de 21 mil crianças e adolescentes que apresentaram algum problema de visão, quase 3% tinham anisometropia — quando um olho “tem mais grau” que o outro. Essa condição pode levar à doença do “olho preguiçoso”, a principal causa de perda visual na infância.
Uma estimativa realizada no ano passado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia também mostrou que 23 milhões de crianças em idade escolar no Brasil têm problemas de refração que interferem em seu desempenho diário, sejam eles relacionados ao aprendizado, autoestima ou inserção social.
— O diagnóstico precoce, além de coibir o atraso no aprendizado, reduz entre 60% e 80% os casos de cegueira de crianças e jovens. Por isso, é importante estar atento aos sintomas — diz Leonardo Figueiredo, fundador do projeto.
A subsecretária de apoio às políticas educacionais da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Fernanda Mateus, afirma que a identificação do problema começa quando o professor percebe que o aluno está fechando muito o olho para enxergar a lousa ou quando tem muita dor de cabeça, além de possíveis notas baixas. Para tentar solucionar questões como essas, a pasta criou uma gerência que acompanha a saúde dos alunos de escolas públicas.
— Os professores são orientados a prestar atenção nos sinais apresentados pelos alunos em sala de aula e os sintomas são reportados à direção e, posteriormente, aos pais. Todos os colégios públicos do Distrito Federal recebem atendimento do projeto Em Um Piscar de Olhos, e já notamos melhora em casos de alunos que antes apresentavam dificuldades — relata Fernanda.
No Rio, a coordenadora pedagógica Michele Ferreira também notou a recorrência de problemas oftalmológicos na Escola Municipal Lincoln Bicalho Roque, na Zona Oeste. A unidade, que atende mais de 800 crianças, foi uma das contempladas pelo Projeto Visão Esperança, da ONG Parceiros da Educação, que realiza a triagem, diagnóstico, além da distribuição de óculos em colégios públicos da cidade.
Segundo Michele, há relatos de alunos que sofriam com refração na vista, mas os pais não tinham como arcar com os custos de exames.
— Temos famílias que sabem que a limitação da criança no processo de alfabetização está relacionada à dificuldade da visão, porém não consegue custear. Já fizeram até exames externos, mas o custo do óculo e da lente não se adequa ao orçamento da família — afirma.
A ONG Parceiros da Educação Rio constatou que 10% a 20% dos estudantes de 39 escolas cariocas possuem dificuldade para enxergar. O Visão Esperança já doou mais de 1.500 óculos e fez cerca de 15 mil exames. Esse ano, a previsão é distribuir outros 831 óculos e realizar mais de 7.000 avaliações. A triagem e os exames são realizados em todos os estudantes do 1° ao 5° ano por profissionais da clínica Vita Oftalmologia. As marcas Fuel e Zerezes disponibilizam as armações e as lentes.
— O projeto Visão Esperança é executado em um mês nas escolas, permitindo o diagnóstico e também a revisitação desses alunos anualmente. Por serem contempladas as séries iniciais de alfabetização, o exame oftalmológico já ajuda a eliminar um possível fator de atraso no ensino — pontua o diretor executivo da ONG, Luiz Octavio Lima.
O Ministério da Saúde alertou que além dos fatores de saúde e genéticos, as telas têm um impacto direto na saúde dos olhos das crianças e adolescentes. Um documento divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria aponta que o uso exacerbado de celulares e computadores tem causado problemas na superfície ocular, motilidade ocular e associação como fator de risco para miopia, acompanhados de sintomas extraoculares como dores no ombro e pescoço, cefaleia e dor nas costas.
Para amenizar esses efeitos, a instituição listou recomendações como orientar os menores a fazerem um descanso com mirada a longa distância durante o uso das telas; além de manter as telas à distância de um braço e em um ângulo ligeiramente descendente do rosto. Ajustar as configurações da tela do computador, incluindo contraste e brilho, e incentivar as crianças a saírem ou brincarem ao ar livre também são saídas.
O Globo