
Aos 28 anos, Tatiana Morais acumula uma trajetória incomum. Formada em Direito, aprovada em três concursos, sendo um deles federal, e mãe atípica de um menino de 6 anos, ela decidiu abandonar a estabilidade do serviço público em 2023. Tudo para se reinventar como desenvolvedora de sistemas, agora no regime privado.
Sua escolha reflete um movimento ainda raro: apenas 39% dos profissionais de tecnologia da informação (TI) no Brasil são mulheres. Isso, mesmo com o ritmo de inserção feminina superando o masculino em 1,5% nos últimos anos. Os dados são da Brasscom – Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais.
Natural de João Pessoa, Tatiana ingressou na carreira jurídica após se formar na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em 2019. Aprovada em concursos para a Prefeitura de Cabedelo, Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e Polícia Civil do Rio Grande do Norte, ela chegou a ocupar cargos públicos até 2023. Por trás da aparente segurança, porém, havia um desconforto crescente.
“ A experiência do serviço público, no meu dia a dia, não foi aquilo que eu esperava, pois as atividades repetitivas não me empolgavam. De uma hora para outra me vi mentalmente adoecida e busquei uma solução para tudo aquilo”, revela.
A guinada para a TI surgiu quase que por acaso. Durante um feriado, em maio de 2023, decidiu assistir a uma aula de lógica de programação “por diversão” entre os estudos para concursos. O interesse foi imediato.
“Eu me empolguei tanto que depois desse dia nunca mais estudei para concurso nenhum.”, diz.
Com o apoio do marido, já desenvolvedor, e da família, deixou o cargo na prefeitura e mergulhou em cursos e estágios. Em poucos meses, conquistou uma vaga como desenvolvedora full-stack em uma consultoria terceirizada, onde atua remotamente na gestão de plataformas telefônicas e de internet.
‘Ouvi que estava enlouquecendo por trocar a estabilidade de servidora’

A transição não foi simples. Na semana em que recebeu a primeira oferta de emprego em TI, Tatiana foi convocada para o curso de formação da Polícia Civil do Rio Grande do Norte.
“Eu cresci em uma geração que escutava diariamente dos pais ‘passe em um concurso público e tenha tranquilidade para o resto da vida’. Ouvi de muitas pessoas que eu estava enlouquecendo por trocar a estabilidade e o status de servidora pública para ir trabalhar em empresas privadas”, conta.
O relato ecoa desafios comuns a mulheres que migram para a área. Além da ansiedade financeira — muitas vezes agravada por salários menores no início da carreira —, há a pressão por acompanhar um setor em constante transformação. “ A tecnologia muda todos os dias e muitas vezes sofremos uma “avalanche” de tópicos e novidades para estudar”, admite.
A decisão, porém, pesou a favor da qualidade de vida: “Eu sempre contei com o apoio da minha família, que viu todo o processo de declínio da minha saúde mental durante o serviço público e me apoiou na decisão que eu tomasse. Essas barreiras vão sendo transpassadas e tudo é recompensado pelos benefícios do trabalho na área, como o aumento da qualidade de vida, a oportunidade de trabalhar em home office, as boas remunerações, e muitos outros.”

E para quem deseja seguir o mesmo caminho, a desenvolvedora aconselha persistência e pesquisa. “A área de tecnologia abrange diversos cargos para além da programação, e por isso, mesmo para quem não tem afinidade com código, existem outras opções”, afirma.
Histórias como a de Tatiana ilustram um movimento silencioso: o de mulheres que redesenham suas carreiras, mesmo em ambientes ainda desiguais.
“Nós, mulheres, temos uma força inigualável. Se dediquem e sejam firmes, pois uma hora o jogo vira e sua chance vem”.