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A médica Roberta Saretta esteve ao lado de Preta Gil do início dos tratamentos contra o câncer até a tentativa de volta dos Estados Unidos para o Brasil, incluindo no dia do falecimento da artista. Coordenadora da equipe do cardiologista Roberto Kalil, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Saretta fala como foram os dias mais alegres e tristes ao longo de dois anos e meio de batalhas contra a doença e da grande corrente de amor deixada por Preta para milhares de pessoas.

Médica Roberta Saretta relata últimos momentos de Preta Gil
Roberta Saretta, médica cardiologista do Hospital Sírio Libanês — Foto: Maria Isabel Oliveira/ O Globo

Como você conheceu a Preta Gil?

A família Gil é paciente do Roberto Kalil há décadas. Me aproximei deles em 2016, quando o Gil adoeceu. Ele teve um problema cardíaco causado pelo efeito colateral de um medicamento para insuficiência renal. Hoje ele está ótimo, mas foi muito delicado. Nesse meio tempo, em quase dois anos de tratamentos ele passou por vários períodos de internação. Foi uma convivência intensa e muito feliz com ele e Flora. O vínculo criado foi tamanho que eles se tornaram padrinhos do meu filho mais velho, Antônio, hoje com 5 anos.

Vi a Preta algumas vezes nos períodos de internação do pai. Mas meu primeiro contato oficial com ela, digamos assim, foi no Rio. A Flora soube que eu estava passando meu aniversário por lá e me chamou para ir à casa deles. Falou que ia ter um bolo para mim. Ou seja, os dois são extremamente carinhosos, têm a casa sempre cheia de amigos, e eu estava um pouco tímida entre eles. Dessa maneira, quando a Flora foi pegar o bolo para cantar parabéns, disse, da cozinha: “Quem comeu o bolo?”. A Preta respondeu no ato: “Gente, eu não sabia que era bolo de aniversário, achei que fosse uma sobremesa!”. Me deu um alívio e foi divertido, todo mundo riu. Essa era a Preta.

Quando ela se tornou sua paciente?

Em janeiro de 2023 ela teve um sangramento intestinal e foi para a Clínica São Vicente, no Rio, onde recebeu o diagnóstico do câncer e começou uma quimioterapia. Ela respondeu mal ao tratamento, eu queria vê-la. E era uma fase conturbada para a Preta, ela estava também passando por uma separação amorosa. Mas fiz o seguinte: a Flora e o Gil estavam por vir ao Sírio fazer um check-up, e combinei com eles de trazerem a Preta para São Paulo e visitá-los. Ela não parava quieta, eu sabia que seria difícil pegá-la. Armei uma arapuca. Sendo assim, quando ela chegou no Sírio, a tranquei em um quarto. Falei que ela não sairia dali sem fazer exames, que eu não queria saber dos problemas pessoais dela. Nesse ínterim, a Flora e o Gil ajudaram muito, entraram no quarto, conversaram, e ela topou ficar.

Como foi a progressão do câncer?

Ela se submeteu a tratamentos, ficou um ano em remissão. Nesse período, vinha para o Sírio apenas para fazer exames de controle. Um pouco antes de completar 50 anos, que seria no dia 8 de agosto de 2024, ela teria que fazer um PET-Scan. Era importante a data, um ano depois do fim dos tratamentos. Ela então me ligou pedindo para ser depois do aniversário porque queria dar uma festa. Ela era extremamente sensível, hoje vejo que talvez ali estivesse sentindo que algo poderia estar errado (o exame mostrou que o tumor tinha acometido linfonodos da região pélvica. Em dezembro do mesmo ano, ela se submeteu a uma cirurgia de longa duração, na qual foram retiradas partes do aparelho digestivo).

Como ela era como paciente?

A Preta sempre foi muito feliz, festiva. Só a vi reclamar uma única vez, mas foi uma reclamação de cansaço. Um dia de manhã, um pouco antes da grande cirurgia, ela me perguntou: “Roberta, é possível o assistente do médico não encostar no meu pé quando ele vier falar comigo?”. Esse profissional do hospital sempre conversava com a Preta fazendo massagem nos pés dela. Como a Preta era muito amável, algumas pessoas achavam que tudo bem tocar nela toda hora. Era comum acontecer. Portanto, o quarto da Preta era uma festa. Raramente tinha menos de cinco pessoas. E isso foi fundamental para lidar com a doença. Dessa maneira, era um entra e sai. Um dia a Ivete terminou um show tarde da noite e foi direto para o Sírio. Entrou no quarto da Preta, esperou quietinha na cadeira até ela acordar, às 6 da manhã.

Qual foi o momento mais difícil para você nesses dois anos e meio de tratamento?

Além do dia da morte, foi quando eu tive de dar a notícia do resultado do último PET, em março de 2025. Dessa maneira, o exame mostrou que a doença tinha se espalhado por outros órgãos, como fígado e pulmões. Fui na capela do Sírio pedir forças. Nesse ínterim, quando entrei para falar com ela, o quarto estava cheio de amigos, como sempre. Perguntei se ela preferia ter a conversa a sós com os médicos. Dessa forma, pela primeira vez, ela pediu para as pessoas saírem.

Tenho a impressão que ela me sentiu, viu no meu rosto algo estranho. Não tinha como ser diferente, meu vínculo com ela, com a família toda, era e é profundo. Senti uma faca no meu peito. Ao saber, ela me perguntou: “Se eu não fizer nada quanto tempo tenho de vida?”. Respondi: de seis a oito meses. “Tem alguma coisa para eu fazer? Eu vou morrer?”. Explicamos então que havia protocolos de pesquisa nos Estados Unidos com medicamentos que poderiam evitar a progressão rápida.

Por que uma pessoa com um câncer terminal vai para outro país tentar um tratamento incerto?

A Preta não queria apenas viver mais seis, oito meses cercada de amigos e tudo bem. Sendo assim, ela queria sobreviver por muito mais tempo. É diferente. Ela queria viver mais 15 anos. Só entende isso quem lida com morte. O cuidado paliativo não é só você ficar com sua família. É compreender o individuo. A possibilidade do tratamento experimental a iluminou. O Gil falou em entrevistas que teria cedido antes. Mas ele é um homem de 83 anos, ele foi “muitos Gils”, fez inúmeras coisas belíssimas. A Preta tinha 50 anos e com uma vivacidade que poucas vezes você encontra em uma pessoa de qualquer idade.

Por que o câncer da Preta progrediu tão rápido?

O câncer de intestino está muito vinculado aos hábitos alimentares, mas no caso dela havia mutações específicas. Essas mutações faziam com que a doença respondesse pouco aos tratamentos. Um tumor viloso, como se criasse uma capa que protegia o tumor da ação dos remédios. Os hábitos podem ter influenciado, e isso é importante falar por uma questão de saúde pública, mas o componente genético foi determinante.

Como foi o processo para achar um estudo experimental nos Estados Unidos?

Tivemos a ajuda da Marina Morena (empresária, amiga muito próxima de Preta), que é muito bem relacionada. Procuramos em vários lugares, foi negado em muitos. Não é simples mesmo. A preferência é para os americanos, há uma infinidade de regras. Teve um médico que chegou a falar: “Se você sobreviver, volte aqui”. Conseguimos entrar em um centro pequeno que faz os mesmos protocolos de grandes instituições, com excelentes oncologistas, na Virgínia. Eu e grandes amigos da Preta fomos juntos. Fiz as primeiras consultas e voltei para o Brasil, eles ficaram.

Como era a medicação experimental?

Era uma terapia alvo, uma quimioterapia intravenosa. Portanto, ela agia contra uma mutação. Mas o câncer da Preta tinha mais de uma mutação. Depois de quatro sessões ela teve uma infecção e precisou interromper o protocolo, ficou uns dez dias sem o tratamento. Nesse meio tempo, voltou, fez mais uma sessão e notaram que os rins estavam enfraquecidos, a doença havia progredido. Sendo assim, ela teve de parar. Recebi a notícia numa quinta-feira, cheguei com a Flora na casa em que ela estava em Nova York no sábado de manhã. Quando me aproximei, ela arregalou os olhos grandes e lindos e eu falei: “vamos para casa”. Programamos a volta para o dia seguinte. Dessa maneira, eu voltaria com ela em um avião UTI do aeroporto de Long Island, Flora com os familiares e amigos em um voo comercial, do aeroporto JFK.

Por que ela não conseguiu voltar?

Quando a ambulância chegou para levá-la ao aeroporto e os paramédicos mediram as taxas, ela estava estável, com índices normais, pressão, eletro, tudo. Ela queria, com todas as forças, chegar no Brasil. Durante o trajeto de uma hora e 20 minutos de viagem até o avião, fiquei de frente para ela, repetindo que a levaria para casa. Ela foi acordada o tempo todo. Ao chegar no aeroporto, ela passou mal, vomitou. “Estamos quase lá”, eu falei. “Preta, você dá conta de viajar? Segura mais um pouco?”. E ouvi a resposta: “Não dou conta”. Pedi para o paramédico nos levar ao hospital mais próximo. Chegamos em oito minutos. Quiseram reanimá-la, poucos minutos depois ela se foi.

Como foram os dias que vocês ficaram nos Estados Unidos, esperando autorização para trazer o corpo?

Celebramos a vida dela. Fizemos coisas que ela amava fazer, comemos hambúrguer, tomamos Coca-Cola com açúcar. Fomos no último restaurante que ela foi com a Flora em Nova York, que ela gostava, o Balthazar. Comemos o prato que ela amava, um macarrão com lagosta e uma taça de champanhe. Ela tinha ido a esse restaurante com a Flora quinze dias antes da morte. Isso explica muito o que foi a Preta. Viveu intensamente cada segundo até o fim. É muito difícil ter essa disponibilidade emocional quando se vive a terminalidade. Ela teve até o último minuto da vida. Preta lutou pela vida com muito amor até os últimos minutos antes de morrer.

O GLOBO

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