
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) deu parecer contrário à incorporação dos medicamentos à base de semaglutida e liraglutida no SUS. Entre os pontos apontados estão o alto custo das medicações.
A Conitec é o órgão responsável por decidir, após análises técnicas bem como uma consulta pública, se um tratamento deve ou não ser incluído no sistema público de saúde do país.
Nesta semana, o grupo técnico analisava dois pedidos:
- O uso da semaglutida, feito pela farmacêutica Novo Nordisk, para o tratamento de pacientes com obesidade grau II e III. Esses pacientes estão acima de 45 anos e com doença cardiovascular. Ela está em canetas no Wegovy;
- O uso da liraglutida para o tratamento de pacientes com obesidade e diabete tipo 2, que está em canetas como a Saxenda.
Ambos os medicamentos são aprovados no Brasil para esses tratamentos e assim têm custo estimado de R$ 1 mil por caneta aplicadora.
Durante a discussão, o principal ponto levantado pela comissão foi a restrição orçamentária imposta pelo alto custo do tratamento.
De acordo com relatórios do Ministério da Saúde, o custo estimado para atender à demanda de pacientes no SUS seria de R$ 4,1 bilhões em cinco anos. Para casos que exigem tratamento contínuo, o valor poderia chegar a R$ 6 bilhões no mesmo período.
A comissão também destacou a necessidade de uso contínuo com o medicamento. Isso impactaria o orçamento. Além disso, apontou que o SUS já oferece uma alternativa para a obesidade, a cirurgia bariátrica. Com isso, decidiu-se pela não incorporação dos medicamentos na rede pública.
A decisão faz com que os medicamentos permaneçam fora do escopo de tratamentos oferecidos pelo SUS, sendo assim apenas acessíveis na rede particular.
Pasta quer produzir canetas brasileiras
A decisão da Conitec acontece duas semanas depois de o Ministério da Saúde ter anunciado a produção de canetas próprias. Esta produção é uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica brasileira EMS.
O foco da parceria são os medicamentos que contêm liraglutida bem como a semaglutida. Essas substâncias atuam no controle da glicose e além disso também contribuem para a perda de peso. Elas são aplicadas por meio de dispositivos semelhantes a canetas, como os medicamentos Ozempic e Wegovy.
A EMS lançou sua caneta emagrecedora no começo do mês. A Olire, feita à base de liraglutida e também é utilizada para o tratamento da obesidade e diabetes.
Conforme o Ministério da Saúde “as decisões da Conitec sobre a incorporação de medicamentos no SUS consideram as melhores evidências científicas disponíveis. As decisões abrangem eficácia, segurança e análises de custo-efetividade. No caso da liraglutida e da semaglutida, o impacto financeiro estimado é da ordem de R$ 8 bilhões anuais.” Veja a nota completa:
“O Ministério da Saúde investe no desenvolvimento da indústria do setor no país. Isso inclui a promoção de parcerias para a inovação e produção de medicamentos e insumos estratégicos para o SUS.
Como perspectiva futura, a Fundação Oswaldo Cruz anunciou um acordo com a farmacêutica EMS para produção nacional desses medicamentos.”
Cabe ressaltar ainda a importância estratégica da ampliação da oferta de medicamentos genéricos. Essa medida estratégica estimula a concorrência, contribui para a redução de preços, amplia o acesso da população a tratamentos de qualidade e fortalece as condições para a incorporação de novas tecnologias ao SUS.”
Abeso vê preocupação na decisão
Assim sendo, a decisão foi recebida com preocupação pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). A endocrinologista Maria Fernanda Barca, doutora pela Faculdade de Medicina da USP e membro Abeso, diz que a medida retira da população de baixa renda a chance de acesso a um tratamento considerado eficaz contra a obesidade e a diabetes.
“É uma pena, porque o SUS deixa de oferecer um tratamento que poderia melhorar a evolução de doenças crônicas graves. Estas incluem obesidade bem como a diabetes, que estão ligadas a problemas cardiovasculares, inflamações, tromboses e até AVCs”, afirma Barca.
Conforme a médica, medicamentos como a liraglutida (Saxenda) e a semaglutida (Ozempic) já demonstraram benefícios que vão além da perda de peso. “Eles reduzem a inflamação dos tecidos e têm efeitos positivos em condições como gordura no fígado e até na cognição de pacientes com Alzheimer. Ignorar esses resultados pode gerar custos ainda maiores no futuro com complicações mais graves, como cirrose, câncer hepático e necessidade de transplante”, destaca.
Barca ainda mais lembra que, no SUS, restam poucas opções acessíveis para tratar obesidade. A sibutramina, embora mais barata, é contraindicada para pacientes com doenças cardiovasculares, enquanto outras alternativas disponíveis têm alto custo. “No fim, o paciente sempre acaba tendo que pagar do próprio bolso”, lamenta.
Novo Nordisk fala em ampliar acesso
A Novo Nordisk, em nota, afirma que “compreende que o histórico subfinanciamento do SUS, somado ao contexto de desequilíbrio fiscal, restrições orçamentárias e obsolescência dos mecanismos de incorporação vigentes atualmente, impõem desafios para oferta de tecnologias inovadoras de saúde à população em nível nacional. Isso acontece mesmo quando estas são evidentemente custo-efetivas”.
“Ainda assim, a Conitec confirma que o medicamento é uma tecnologia inovadora, segura, eficaz e custo-efetiva”, diz a empresa, em nota.
A farmacêutica reforça ter pedido apenas a incorporação do WeGovy –medicamento à base de semaglutida para o trato da obesidade. Assim sendo, a empresa não pediu a incorporação do Ozempic ao SUS.