
Quando o governo australiano decidiu adotar uma inédita proibição nacional de que crianças e adolescentes usem redes sociais, isso foi apresentado como um antídoto para uma crescente crise de saúde mental.
A iniciativa surgiu após um intenso debate público sobre os riscos das redes sociais. Este debate se provocou em parte pelo livro A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt. Na obra, o psicólogo social americano argumenta que uma infância com uso de smartphones e redes sociais contribui para fomentar uma epidemia de doenças mentais na adolescência.
Quando a proibição se aprovou pelo Parlamento australiano, em novembro de 2024, 77% dos australianos a apoiavam, segundo uma pesquisa de opinião. O plano de multar o TikTok, Facebook, Snapchat, Reddit, X e Instagram em 49,5 milhões de dólares australianos por não bloquearem o acesso de jovens se apoiou por 87%. Entretanto, não punirão os usuários das redes sociais e seus pais por quaisquer violações.
As plataformas digitais não ficaram sensibilizadas com o veto, que muitos reconhecem que será difícil de fiscalizar. “É muito provável que a proibição leve os jovens a cantos mais sombrios da internet, onde não existem diretrizes comunitárias, ferramentas de segurança ou proteções”, disse um porta-voz do TikTok quando o projeto de lei foi aprovado.
A proibição visa, em parte, proteger os jovens do cyberbullying, da desinformação e do conteúdo ilegal que inunda as plataformas digitais. Mas alguns especialistas duvidam que essa medida seja um antídoto eficaz para a deterioração da saúde mental dos jovens.
Solução “simples e agradável” para problema complexo?
Marilyn Campbell, que pesquisa sobre cyberbullying, alerta que há poucas pesquisas que conseguiram estabelecer uma conexão causal entre as redes sociais e a saúde psicológica.
“Sabemos que há uma alta correlação entre o surgimento de novas tecnologias e o aumento da deterioração da saúde mental dos jovens”, disse. “Mas ainda não sabemos por quê.”
Uma conexão causal ocorre quando é possível comprovar que uma determinada variável (como acesso a redes sociais) provoca uma consequência (como deterioração da saúde mental). Já correlação ocorre quando é possível observar que dois fenômenos se movem na mesma direção. Por exemplo, quando tanto o acesso a redes sociais como a deterioração da saúde mental estão crescendo.
Um estudo de 2023 analisou o uso das redes sociais em 72 países e não encontrou “nenhuma evidência que sugira que a penetração global das redes sociais esteja associada a danos psicológicos generalizados”.
Embora trabalhos de psicologia de apelo popular como A Geração Ansiosa apenas tracem uma correlação entre o aumento da ansiedade e da depressão entre os jovens e o uso das redes sociais, eles aparecem muito na mídia, observou Campbell. E, com base na popularidade dessas ideias, o governo australiano agora está buscando uma “solução simples e agradável”, disse Campbell.
“Não é preciso gastar dinheiro com isso”, afirmou ela sobre a proibição. “Não é complicado.”
Influências
Pesquisadores da Universidade de Queensland observam que a compreensão limitada dos impactos das redes sociais na saúde mental dos jovens significa que outras possíveis influências precisam ser consideradas. Exemplos incluem o aumento da desigualdade social, bem como a ansiedade climática e a violência de gênero.
Em vez de concentrar suas medidas nas redes sociais, os governos precisam “reformar o sistema de saúde mental”, sugeriu Campbell. Ela adicionou que “muito mais assistentes e psicólogos escolares” ajudariam.
“Há muitas coisas que eles poderiam fazer, mas isso custa dinheiro”, acrescentou.
Campbell ainda mais observou que jovens com autismo ou que estão explorando sua identidade sexual e de gênero às vezes podem se identificar com seus pares online. Assim, isto ocorre mais facilmente do que em sua localidade física.
Ela acrescentou que, assim como a proibição do álcool nos Estados Unidos, um banimento das redes sociais apenas as torna clandestinas.
Os jovens também precisam estar preparados para viver em um “mundo tecnologicamente saturado”, disse a professora. “Não estamos fazendo nenhum favor a eles ao dizer: bem, vocês não podem estar neste mundo até completarem 16 anos.”
Como implementar a proibição?
O veto na Austrália não entrará em vigor até o final do ano, mas há testes sendo feito sobre como lidar com a complexa tarefa de fazer cumprir o bloqueio das redes sociais.
As plataformas não poderão obrigar os usuários a fornecer identificação emitida pelo governo ou uma identificação digital. Porém, precisarão fornecer “métodos alternativos de verificação de idade” para confirmar a idade dos titulares de contas nas redes sociais.
Um estudo recente mostrou que cerca de 80% das pessoas pesquisadas estão preocupadas com a precisão das tecnologias de verificação de idade. Além disso, estão preocupadas com possíveis violações de privacidade de dados.
Na Alemanha, amplo apoio à proibição de redes sociais
Cerca de 77% dos alemães que responderam a uma pesquisa realizada em 2024 também afirmaram que apoiariam “totalmente” ou “de certa forma” uma proibição das redes sociais semelhante à da Austrália.
Ainda mais, um percentual maior – 82% – estava “absolutamente certo” ou “de certa forma certo” de que o uso das redes sociais é, de alguma forma, prejudicial para crianças e adolescentes.
Além disso, vários estados dos EUA também estão limitando o acesso às redes sociais. Eles buscam formas de garantir que os pais tenham mais controle sobre o uso das redes sociais. Há décadas, os EUA exigem que as empresas de tecnologia obtenham o consentimento dos pais para acessar os dados de usuários menores de 13 anos.
A Suécia também está avaliando proibir o acesso a smartphones nas escolas devido a preocupações com o declínio da saúde mental e física. No Brasil, o uso de celulares em salas de aula de escolas públicas e privadas foi proibido a partir deste ano letivo.
No Reino Unido, entraram em vigor neste mês medidas de verificação de idade para impedir que menores de 18 anos acessem conteúdo impróprio na internet, como pornografia, suicídio, automutilação e transtornos alimentares.
Em 2024, o cirurgião-geral dos EUA, Vivek Murthy, que dirige o sistema público do país, sugeriu que rótulos de advertência fossem adicionados às plataformas de redes sociais. Estes rótulos seriam semelhantes às advertências em cigarros e bebidas alcoólicas.
Isso aconteceu depois que um relatório do cirurgião-geral encontrou alguns aspectos positivos no uso das redes sociais, como “comunidade e conexão com outras pessoas que compartilham identidades, habilidades e interesses”, mas também “sintomas de depressão e ansiedade” entre adolescentes que passam mais de três horas por dia em plataformas sociais.
Para Marilyn Campbell, os aplicativos de rede social não devem ser proibidos, mas projetados para incentivar uma interação mais segura com os jovens. “Acho que as crianças precisam ser educadas para viver no mundo digital.”