
O curso de Medicina da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), alvo de denúncias sobre as condições oferecidas para o internato (estágio obrigatório) em Guarujá, no litoral de São Paulo, possui nota máxima na avaliação do Ministério da Educação (MEC).
De acordo com a universidade, o Conceito de Curso (CC) nota 5 é “reflexo do compromisso institucional com a qualidade do ensino”. Em contrapartida, alunos denunciaram as condições do internato proporcionado pela instituição, alegando que são submetidos a plantões exaustivos e abusivos de trabalho.
Segundo eles, a reprovação do estudante Roberto Fakhoure se usa como exemplo por representantes da universidade para desencorajar novas reclamações sobre o internato. “Usam alguns alunos, como o Roberto, como exemplo, nos mostrando que coisas pequenas podem gerar grandes punições”, afirmou um dos universitários, que não se identificou.
Nota máxima
A Unoeste existe há mais de 50 anos, mas o campus principal fica em Presidente Prudente (SP). A instituição chegou a Guarujá com a faculdade de Medicina em 2019. Por isso, os estudantes ouvidos pelo g1 fazem parte das primeiras turmas do curso na cidade.
No segundo semestre de 2021, a universidade passou a funcionar em Guarujá com campus próprio. Este campus oferece outras graduações presenciais, como Administração, Pedagogia, Biomedicina, Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia. Além disso, oferece outras graduações a distância (EAD).
De acordo com o MEC, a nota 5 no CC não é apenas para o curso de Medicina da universidade em Guarujá. Este conceito também se aplica para as graduações nos campus de Presidente Prudente e Jaú.
Critérios do MEC
Ao g1, o MEC explicou que o Conceito de Curso (CC) possui escala em cinco níveis. “Cujo valores iguais ou superiores a três indicam qualidade satisfatória”.
Conforme o ministério, a nota 5 do curso de Medicina da Unoeste se resultado de uma avaliação externa in loco. Esta avaliação se realizou em 2024 e verificou três aspectos.
- Organização Didático-Pedagógica: projeto pedagógico, currículo, metodologias, avaliação da aprendizagem etc;
- Corpo Docente e Tutorial: titulação, regime de trabalho, formação específica etc;
- Infraestrutura: laboratórios, bibliotecas, campos de prática, convênios hospitalares e unidades de saúde.
Para os cursos da área de saúde, a avaliação também possui indicadores específicos. Esses indicadores incluem: integração do curso com o sistema local e regional de saúde (SUS); atividades práticas de ensino em conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais; laboratórios de habilidades da atividade médica ou de saúde em conformidade com o projeto pedagógico e as unidades hospitalares e complexo assistencial conveniados.
Segundo o MEC, esse tipo de avaliação é um dos tripés do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Ele é composto também pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e pela Avaliação Institucional. “Juntos, eles permitem conhecer a qualidade dos cursos e instituições de educação superior brasileiras”, declarou o ministério.
O que diz o MEC sobre as denúncias?
Sobre as denúncias relacionadas à Unoeste, o MEC informou que é obrigatório que os cursos de Medicina apresentem uma estrutura organizada e bem supervisionada para o internato. Isso deve ocorrer conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Medicina.
O MEC afirmou ainda que recebe denúncias sobre instituições por intermédio da Plataforma Fala.BR.
‘Melhor universidade’
A Unoeste se autodefine como “a melhor universidade particular de São Paulo”. A instituição, como um todo, também possui nota máxima no Índice Geral de Cursos (IGC), segundo divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) em abril.
Com divulgação anual, o indicador é uma média das notas (CPC) de todos os cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) oferecidos em uma instituição de ensino.
O que diz a universidade?
Em nota, a Unoeste afirmou que as alegações envolvendo os estágios do internato são “infundadas”. Elas decorrem da insatisfação de um estudante que não atingiu os critérios mínimos exigidos para aprovação. Então, passou a disseminar informações inverídicas e ofensivas à integridade institucional.
Segundo a instituição, a universidade foi classificada como “a melhor universidade particular do estado de São Paulo” na avaliação do Ministério da Educação (MEC). “A qualidade do ensino, a seriedade dos processos pedagógicos e o compromisso com a formação ética e técnica dos nossos alunos são pilares inegociáveis da nossa atuação”.
A Unoeste ainda garantiu que as escalas de plantões “estão em conformidade com a regulamentação vigente”. Isso inclui a obrigatoriedade de folga após o plantão noturno e períodos destinados às refeições e descanso.
“A Unoeste, em parceria com o Hospital Santo Amaro, organizou toda a estrutura necessária para garantir condições adequadas aos estudantes durante os estágios do internato. Nos alojamentos, são disponibilizadas camas para que os internos descansem adequadamente. Além disso, o hospital possui uma Diretoria de Ensino responsável por coordenar e supervisionar as atividades dos alunos, com profissionais sempre disponíveis para atender às suas necessidades”, diz a nota.
Denúncias
Ao g1, universitários afirmaram que são submetidos a plantões exaustivos e abusivos de trabalho no Hospital Santo Amaro. De acordo com eles, a universidade não oferece a infraestrutura adequada para que os alunos façam o estágio necessário no centro obstétrico do Hospital Santo Amaro.
Os estudantes contaram que foram submetidos a plantões de até 24 horas, sem tempo ou local para descanso.
“A gente passou por vários médicos, por várias condições deploráveis. A gente foi obrigado a dormir no chão, entre outras coisas erradas que a gente via dentro do hospital e tinha que compactuar”, denunciou um universitário, que preferiu não ser identificado.
Segundo ele, os alunos se revezavam durante a madrugada para descansarem. Senão, eles corriam o risco de reprovar na disciplina. “Nunca teve horário fixo de descanso, uma hora determinada. O que tivesse que acontecer no hospital, a gente tinha que estar lá em cima”, revelou.
O estudante contou ainda que a coordenação do curso não mantém boa comunicação para tratar do assunto com os alunos. “A nossa carga é super mais elevada, muito maior e mais desgastante do que qualquer outra faculdade […]. Fora isso, tentam implementar mudanças durante a gestão. Você assina o contrato, como vai ser a forma de avaliação, e vira e mexe, eles mudam durante o decorrer do curso”.
Outro universitário afirmou que os estudantes são submetidos a mais de 60 horas semanais de trabalho. Segundo ele, os orientadores do internato já chegaram a reclamar até dos horários de almoço dos alunos.
O que diz o hospital?
Também em nota, o Hospital Santo Amaro afirmou que possui compromisso em proporcionar bons ambientes de trabalho e descanso para os médicos e estudantes de Medicina. “Como parceiros da Unoeste na formação dos alunos, o diálogo entre as instituições é amplo e permanente. Isso garante que as necessidades e sugestões dos estudantes sejam atendidas”.
Acusação de falsidade ideológica
Roberto Fakhoure, de 43 anos, estudante de Medicina de Guarujá, no litoral de São Paulo, acusa a Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) de falsidade ideológica. Ele alega que teve a assinatura falsificada em um documento após questionar a reprovação em uma disciplina.
O aluno registrou um boletim de ocorrência por falsidade ideológica na Polícia Civil. Ao lado do advogado Michael de Jesus, pretende denunciar o caso na Justiça. Ele segue reprovado e, por isso, não poderá participar da colação de grau com a turma no fim deste mês.
Ao g1, Roberto disse que não conseguiu recorrer da reprovação. Ele afirma que teve a assinatura falsificada na ata de uma reunião sobre a nota que o reprovou em uma disciplina em 2023. No documento, constava que o estudante havia entendido os motivos da reprovação e aceitado tal decisão.
No entanto, o aluno garantiu que não assinou nenhum termo com esse teor. Roberto confirmou ter participado de uma reunião na data do documento, mas ressaltou que nunca concordou com a reprovação.
Segundo o relato, ele descobriu que não teria como entrar com um recurso sobre a dependência (DP) na disciplina quando procurou o conselho do campus principal da Unoeste. Este campus está localizado no interior de São Paulo. Ele foi informado de que havia concordado com a reprovação na reunião em Guarujá.
De acordo com o advogado, o estudante negou ter aceitado a nota e pediu a ata da reunião. Contudo, ele só recebeu o documento no fim do ano seguinte (2024) e não reconheceu a assinatura. Em 2025, ainda segundo o profissional, uma perícia comprovou que a assinatura foi falsificada no termo.
Em nota, a Unoeste informou que está apurando as informações, mas destacou que “não compactua com qualquer prática que viole a ética acadêmica”.