
Você investe em fundos imobiliários? Então pode ser uma boa ideia segurar as suas cotas. Os FIIs e os fundos da cadeia do agronegócio (Fiagros) antigos podem passar a valer mais do que os novos lançamentos a partir do próximo ano. Isso se o Congresso aprovar a medida provisória que prevê o fim da isenção de imposto de renda (IR) dos investimentos que contam com o benefício.
Se a nova legislação avançar, basicamente, haverá dois tipos de FIIs e Fiagros no mercado. Um grupo manterá a isenção de IR enquanto o outro terá cobrança de imposto. Ou seja, um mesmo fundo poderá ter dois tipos de cotas com tratamentos tributários distintos. Isso se parece com uma companhia listada com ações ordinárias (ON) e preferenciais (PN).
Isso vai acontecer porque a MP 1303/25 estabelece o fim da isenção de IR. Ela aplica uma tributação de 5% sobre os rendimentos para todos os investimentos que contam com o benefício para pessoa física. Exemplos incluem letras de crédito imobiliário (LCI), letras de crédito do agronegócio (LCA), letras imobiliárias garantidas (LIG), certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA), debêntures incentivadas e, claro, FIIs e Fiagros.
O texto, no entanto, preserva o chamado estoque, ou seja, os títulos já emitidos ou que vão lançar até 31 de dezembro. Os FIIs e Fiagros, diferentemente dos papéis isentos, não vencem. A maior parte dos fundos do gênero são veículos fechados, com prazo indefinido. Isso significa que não têm resgates ou vencimento.
Após a oferta inicial, as únicas maneiras do investidor entrar e sair são: o fundo se liquidar, ou usando o mercado secundário. No caso dos FIIs e Fiagros listados, os investidores vendem suas cotas ou compram de outros detentores no ambiente da bolsa, como se fossem ações.
Universos paralelos
A MP deixa claro que as cotas negociadas na bolsa vão manter o benefício tributário. Isso ocorre se estiverem enquadradas como estoque. “Títulos e valores mobiliários, inclusive cotas de fundos de investimento, emitidos e integralizados até 31 de dezembro de 2025, continuarão sendo regidos de acordo com as regras que lhes eram aplicáveis antes da edição desta Medida Provisória, inclusive se alienados posteriormente em mercado secundário”, diz o texto original.
O advogado e sócio do escritório NFA, Carlos Ferrari, explica que passam a se tributar em 5% apenas as cotas emitidas a partir de primeiro de janeiro de 2026. Isso inclui tanto ofertas iniciais quanto as subsequentes (follow-on) feitas por fundos já estabelecidos. “Significa que, na prática, o mercado vai passar a ter duas formas de precificar as cotas.”
No entanto, o especialista enxerga ainda a possibilidade de a medida tornar as avaliações muito mais complexas no mercado. “Vai criar esses universos paralelos. Neles, o investidor vai ter de analisar assim um estoque com 20 a 30 anos de existência e outro estoque futuro dali para frente.” Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o estoque de FIIs estava em R$ 364,5 bilhões em junho deste ano.
FIIs velhos vs FIIs novos
Uma situação análoga aconteceu com a poupança. Em 2012, houve a criação de uma regra que atrela o modelo de rendimento ao nível da Selic. Quando a taxa básica está igual ou abaixo de 8,5% ao ano, a caderneta passa a render 70% da Selic mais a variação da taxa referencial (TR). Acima desse patamar, mantém o clássico rendimento de 0,5% fixo ao mês acrescido da TR. Isso resulta em um retorno anual de 6,17% mais a taxa referencial, que na maior parte dos últimos anos esteve zerada.
Isso criou uma espécie nova categoria da poupança. Quando a Selic cai para um nível baixo, as cadernetas nas regras antigas ficam mais atrativas do que nas condições “normais”. Por exemplo, entre outubro de 2012 e abril de 2013, quando a taxa básica esteve em 7,25%, a “poupança velha” rendia 6,17%, enquanto a “poupança nova” passou a render em torno de 5% ao ano.
No caso dos fundos, os “FIIs velhos”, isentos de IR, serão aqueles com cotas emitidas até dezembro de 2025. Enquanto na categoria de “FIIs novos”, com cobrança de imposto, entrarão os fundos que fizerem ofertas iniciais ou emissões subsequentes já em 2026.
Retorno vai cair
Um gestor que pediu anonimato acredita que, se a MP for aprovada com o entendimento atual, muitas casas podem até decidir preservar os fundos antigos, sem novas emissões. Isso permitiria criar FIIs complementares já nas novas regras. Tudo para não ter de manter duas classes de cotas diferentes no mesmo veículo.
Além disso, as cotas isentas dos fundos listados podem passar a ser negociadas com ágio. A isenção das cotas antigas vai representar uma vantagem de até 300 pontos-base (três pontos percentuais) nos retornos comparada aos dividendos com IR.
Há ainda um outro efeito colateral. A apreciação da MP pode ocorrer no início de outubro. Mas, como o cenário sobre a aprovação é incerto e existe ainda a possibilidade de ocorrer alterações substanciais no texto, os investidores institucionais têm se mantido cautelosos. Contudo, se a legislação passar sem grandes mudanças, pode haver uma corrida de FIIs no último trimestre do ano. Isso se aplicaria tanto às novas emissões quanto à aquisição de cotas.
Nesse caso, pode haver uma valorização das cotas, impulsionadas pela corrida para assegurar a isenção.
Nível de dividendos está elevado
No momento, existe ainda um atrativo a mais, além da possibilidade do rali de FIIs, para quem pensa em investir na classe. Como os fundos têm sido negociados com desconto nos preços, os retornos com os dividendos estão em um nível bem elevado. Os fundos de papel que fazem parte do Ifix, por exemplo, estão com um retorno de dividendos (dividend yield ou DY) em torno de 14% ao ano. Essa medida reflete a relação entre o volume de proventos recebidos sobre o valor da cota no mercado. Ou seja, um patamar quase similar ao da Selic e do CDI.
Os dois maiores FIIs em tamanho do patrimônio do mercado, o KNCR11 (Kinea Rendimentos Imobiliários), com R$ 7,80 bilhões, e o KNIP11 (Kinea Índice de Preço), que reúne R$ 7,27 bilhões no portfólio, exibem DYs em 12 meses de 12,66% e 12,70% respectivamente. Isso significa retornos acima de 1% ao mês.
Os chamados fundos de papel, ou seja, aqueles que aplicam em CRIs, têm apresentado os maiores retornos no cenário atual. Uma parte desses portfólios tem comprado certificados que rendem o CDI mais um spread, o CDI+. As carteiras dos FIIs estão recheadas de papéis com ganhos de CDI mais 3% e até 5% ao ano. Isso equivale atualmente a uma taxa nominal de 18% a 20%.
De qualquer modo, mesmo aqueles com predominância de papéis com remuneração indexada ao IPCA+ estão com rendimentos atrativos. “Há muitas carteiras de qualidade com retornos compostos de IPCA mais 10% ao ano”, diz o gestor. Esse patamar representa atualmente, se for considerada a variação do indicador de inflação em 12 meses até julho, um ganho de 15,23%.