
Explicar o prospecto de uma Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês) para uma criança de cinco anos: esse é o desafio da comunicação do mercado com investidores nos próximos anos. A provocação foi feita em painel que tratou de conteúdos e formas de levar informações não só para consumidores de produtos de investimento. Também se destinava aos que ainda não são investidores, no Anbima Summit, ontem, 26 de junho.
Nessa tarefa, profissionais do setor contam com o apoio da tecnologia do momento (e que veio para ficar). É a inteligência artificial, seja por meio de chat ou vídeo. Haverá avatares construídos utilizando a própria linguagem de cada indivíduo, a chamada hiperpersonalização.
Os dados que alimentam essa transformação da comunicação estão sendo apurados pela Anbima. Trata-se de um levantamento inédito sobre o conhecimento da população em geral de termos, palavras e conceitos do mercado. O estudo analisa também como consomem a documentação de produtos financeiros durante o processo de decisão de investir.
Estudo
Leandro Toledo, diretor da Provokers, empresa responsável pelo estudo, apontou que, de forma geral, a maioria das pessoas conhece termos específicos. No entanto, não entende como eles funcionam ou como utilizá-los em sua tomada de decisão de investimento.
“A pesquisa é consistente com o que já se observa no cotidiano”, afirma. “As pessoas até sabem o que é vencimento, renda variável, liquidez, mas com muita incerteza e dúvidas. Sabem que rentabilidade ‘significa’ ganhar mais, mas sem maior entendimento sobre do que se trata efetivamente.”
Luciane Effting, chefe da área de Distribuição de Investimentos do Banco Santander e presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, reforçou que os dados da pesquisa mostram que as pessoas até entendem a informação. Porém, falta explicar melhor. Para além de conhecer termos e conceitos, precisam de conhecimento para tomar decisões.
“Parece que o investidor entende o que o mercado fala, mas não é bem assim. O mercado tem conversado consigo mesmo e está longe de se comunicar da forma correta com seu público”, ressaltou Effting. Ela acrescentou que o não entendimento de conceitos afasta as pessoas do setor. “Investimento é sobre confiança.”
Aprendizado
Nesse sentido, Fernando Cury, que lidera as frentes de marketing de Wealth Management, Investment Banking e ESG do Itaú BBA, frisa que, para o mercado, investimento é um fim. Entretanto, para as pessoas é um meio de atingir objetivos.
Ele afirma que o setor precisa ter dois aprendizados “óbvios”, mas que não são percebidos. “A simplificação da comunicação pode ser boa para determinado público e negativa para outro”, afirma. “Selecionar esses públicos por renda é um erro.”
Ele cita que um cliente private não necessariamente consome uma informação sofisticada por ter muito dinheiro. Tampouco o cliente com pouco – ou nenhum – dinheiro para investir não tenha interesse por investimentos mais complexos que um CDB. “Ele pode até gostar. Só está esperando o momento para conseguir acessar esse tipo de produto.”
Outro ponto destacado por Cury é o perfil atual das pessoas: tempo escasso, pouco ou nenhum interesse em textos longos. São usuárias de redes sociais, consumindo principalmente vídeos curtos.
Em um ambiente de alta concorrência como o mercado de investimentos, além de se fazer entender corretamente, é preciso estabelecer uma relação de confiança com o cliente (ou potencial cliente).
Desconfiança dos bancos
Cury lembra que há ainda uma grande desconfiança das pessoas sobre as reais intenções dos bancos e corretoras. “Muitas vezes, as pessoas acham que estão sendo enganadas e que vão ser passadas para trás pelo gerente, o assessor. Têm uma imagem negativa em grande parte.”
Nesse sentido, Cris Duarte, proprietária da NoPonto Marcas, consultoria especializada em performance de negócios a partir de marcas, afirma que a comunicação tem que “gerar confiança e trazer verdades, ter consistência e ser recorrente”.
“O primeiro passo é conhecer com quem vai dialogar, sua linguagem e o que é importante para esse sujeito. Daí fazer a adequação dessa linguagem e adaptar para o canal onde a pessoa está”, explica. “Tem que criar pontes para gerar confiança e criar um ponto de contato com o público.”
Toledo ressalta ainda que é preciso definir “qual argumentação traz credibilidade e a vontade de experimentar”.
Os especialistas destacam que a inteligência artificial deve ser uma aliada nessa jornada para maior assertividade e produtividade. As palavras do mercado estão na cabeça das pessoas, mas ainda não são totalmente compreendidas. A IA vem para “traduzir” e fazer parte da equipe.