
Vítima da fome, da seca e da desigualdade social que assolavam o Nordeste brasileiro no final do século 19, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, tornou-se um dos bandidos mais famosos do país. Liderando um bando de cangaceiros, aterrorizou por mais de 20 anos cidades do sertão nordestino. Promoveu saques, assassinatos, torturas e estupros como forma de vingar as injustiças que sua família sofrera na mão das oligarquias.
Mesmo assim, Lampião ganhou a simpatia de algumas comunidades locais, que o tratavam como herói e justiceiro, e ofereciam abrigo ao bando. Ao mesmo tempo, tornou-se famoso em notícias de jornal e na literatura de cordel. Sua morte em 1938 representou na prática o fim do cangaço — e sua história foi elevada ao status de lenda brasileira.
Origens e contexto histórico do cangaço
O cangaço foi um movimento que marcou o Nordeste do Brasil durante o fim do século 19 e início do século 20. Suas raízes remontam ao período colonial, caracterizado pela desigualdade social e a exploração do trabalho nos latifúndios. Um dos principais processos que colaboraram para a formação do cangaço foi a implementação do sistema de sesmarias, em que muitos camponeses foram desapropriados de suas terras, ficando à mercê da pobreza e do abandono.
A seca, fenômeno climático recorrente no sertão nordestino, também contribuiu para que o movimento surgisse. A escassez de recursos e as péssimas condições de vida levaram muitos sertanejos ao desespero, buscando alternativas para sobreviver – entre elas, se organizam em bandos armados para cometer crimes.

Os dois fenômenos, o social e o climático, confluíram no contexto histórico de transformações políticas e sociais no Brasil a partir da República Velha (1889-1930). Nesse período, a organização política no Nordeste era marcada por oligarquias locais que exerciam forte controle sobre as terras.
Nesse cenário surgiu a figura do cangaceiro, uma espécie de “fora da lei’ que encontrava na violência uma forma de enfrentar injustiças e opressões. Liderados por líderes carismáticos, eles formavam bandos armados que desafiavam a autoridade do Estado e atacavam grandes propriedades rurais.
O mais famoso cangaceiro de todos os tempos foi Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, que liderou um bando por quase duas décadas. Lampião e seus seguidores se tornaram uma lenda no nordeste brasileiro, e suas ações ousadas e cruéis marcaram o imaginário popular.
Quem foi Lampião: biografia e trajetória
Virgulino Ferreira da Silva nasceu entre 1897 e 1900 (há controvérsias em relação à data exata, sendo uma das mais aceitas 7 de julho de 1897, como consta no registro civil), em Vila Bela, atual Serra Talhada, no sertão de Pernambuco.
Ele cresceu em uma família de condições financeiras razoáveis o suficiente para que fosse alfabetizado. Seu pai, José Ferreira, trabalhava como almocreve – condutor de bestas de carga – e tinha posse de algumas terras. Durante as viagens, costumava levar o filho em caravanas por estados como Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará.
A partir de 1915, a família de Ferreira da Silva começou a enfrentar problemas com José Alves de Barro, conhecido como Zé Saturnino, que estava ascendendo politicamente na região. A disputa por terras entre as duas famílias e a influência política de Zé Saturnino prejudicaram os Ferreira, levando-os a se mudarem várias vezes e cair na pobreza.
Dessa maneira, insatisfeito com a situação, Virgulino decidiu entrar para a clandestinidade em 1919. Ele passou a agir em grupos criminosos, principalmente atacando propriedades de Zé Saturnino. Até que, em 1920, ingressou pela primeira vez no cangaço, no bando de Antônio Matilde, já sob a alcunha de Lampião.
A mãe de Lampião morreu em 1921, desgostosa com os conflitos envolvendo a família. Dias depois, José Ferreira foi assassinado pelo tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, a mando de Zé Saturnino. O crime revoltou Antônio e Levino, irmãos de Virgulino, que decidiram se juntar ao irmão no cangaço.

Bando de Sinhô Pereira
Naquele mesmo ano, eles entraram no bando de Sinhô Pereira, até então um dos maiores cangaceiros da região. Por suas habilidades com armas, Lampião se tornou um pupilo do chefe, aprendendo a sobreviver no sertão, a evitar a polícia e a planejar ataques. No ano seguinte, em julho de 1922, Pereira decidiu abandonar o cangaço, passando a liderança do grupo a Lampião.
Por duas décadas a gangue aterrorizou o sertão nordestino. Mas, apesar do medo que o grupo de Lampião espalhava pela região, muitas pessoas passaram a ver os criminosos como heróis justiceiros que combatiam as oligarquias. Essas pessoas eram conhecidas como “coiteiros”, e costumavam ajudar o bando oferecendo comida, pouso e os acobertando da polícia.
Uma das mulheres coiteiras se chamava Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita. Ela estava casada com um sapateiro chamado Zé de Neném, mas se apaixonou e se tornou amante de Lampião em 1929. No ano seguinte, fugiu do casamento e foi aceita no bando como esposa de Lampião, tornando-se a primeira mulher a fazer parte do cangaço. A partir de então, Lampião autorizou seus companheiros a andarem com mulheres. Em 1932, o casal teve uma filha, batizada Expedita Ferreira Nunes.
Como agia o bando de Lampião
Entre 1922 e 1938, o bando de Lampião foi responsável por ataques a fazendas, cidades e comboios, deixando um rastro de violência por onde passava. Essas investidas costumavam envolver assassinatos, assaltos, torturas, estupros e extorsões.
Em 1922, a primeira ação do bando foi invadir a cidade de Belmonte, em Pernambuco, e assassinar o coronel e comerciante Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz. Em seguida ao ataque, o grupo fugiu para Alagoas, e a partir de lá começou a atuar também na Paraíba, no Rio Grande do Norte e no Ceará.
É difícil determinar quantos integrantes o bando de Lampião tinha. Em um ataque à cidade de Sousa (PB), em julho de 1924, 84 pessoas participaram dos saques. O mais correto é afirmar que a liderança de Lampião agia em subgrupos de cangaceiros, que podiam ou não se encontrar para ataques. No último conflito, em 1938, em que morreu pela polícia, Lampião estava acompanhado da esposa e de outros 32 cangaceiros.
Estratégias
Uma das estratégias de Lampião para atacar cidades era confundir a polícia. O bando tomava postos de telégrafo e enviava mensagens relatando sua presença em determinada região. As forças policiais então se mobilizavam para tentar capturar a quadrilha, deixando outras regiões desguarnecidas.
Como reação a essa estratégia, os governos da Paraíba e de Pernambuco criaram a Força Volante de Combate ao Banditismo. Eram tropas policiais que tinham permissão para entrar em todos os estados vizinhos e realizar operações contra o cangaço.
Mais tarde, os outros estados do Nordeste aderiram à ideia. Uma das missões, realizada em julho de 1925, conseguiu encurralar o bando de Lampião em uma fazenda entre Pernambuco e Alagoas, matando Levino, irmão de Lampião.
A influência de terror que Lampião impunha na região acabou, por um momento, sendo aproveitada pela República. Em 1926, a Coluna Prestes, movimento tenentista de oposição ao governo liderado por Luís Carlos Prestes, chegou ao Nordeste. Coube ao deputado federal Floro Bartolomeu organizar uma força de combate, chamada de Batalhão Patriótico, instalada em Juazeiro do Norte (CE), terra de Padre Cícero.
Conhecendo o poder de fogo do bando de Lampião, e utilizando a influência de Padre Cícero, Floro enviou uma carta ao cangaceiro convidando-o a fazer parte da tropa. Porém, o deputado acometido por uma doença, morreu logo em seguida, antes da chegada de Lampião a Juazeiro.
Portanto, o líder do cangaço terminou sendo recebido pelo próprio padre que, em 12 de março de 1926, concedeu-lhe a patente de capitão do Batalhão Patriótico e lhe entregou armas e munições para combater os revolucionários.
A morte de Lampião e o fim do cangaço
Ao longo dos anos, a fama de Lampião cresceu com a difusão das notícias pelos jornais e nos chamados “cangaceirógrafos” – folhetos de cordel que contavam as proezas e façanhas do líder cangaceiro. A lenda se perpetuou sendo transmitida de geração em geração, tornando-o uma figura lendária no imaginário popular brasileiro. Até que a história terminou em 28 de julho de 1938, com a morte de Lampião no massacre da Fazenda Angico, em Sergipe.
O tenente João Bezerra liderou a operação de emboscada ao bando, que contou com uma tropa de 48 policiais volantes. Não se sabe ao certo, mas acredita-se que os responsáveis por delatar à polícia o paradeiro da gangue foram o coiteiro Pedro de Cândido e seu irmão, Durval de Cândido. As evidências apontam para a dupla pois, dias depois da morte de Lampião, Pedro assumiu um posto de subdelegado.
Os cangaceiros haviam passado a noite acampados na fazenda sob forte chuva. Os pegaram desprevenidos pela polícia ao amanhecer. As forças volantes, portando metralhadoras, dispararam contra os 34 cangaceiros presentes no local. Sem enfrentar resistência, acabaram matando 11, entre eles Lampião e Maria Bonita.
Cabeças
Em seguida a chacina, os policiais degolaram todos os mortos e apreenderam dinheiro, ouro e joias. Os cadáveres foram deixados no local, ao sabor dos urubus. Já as cabeças foram preservadas em latas de querosene com aguardente e cal, e expostas como troféus por diversas cidades do Nordeste.
A morte de Lampião, Maria Bonita e os outros integrantes do bando, e a demonstração de poder da polícia com a exposição das cabeças, representou o fim do cangaço. Dessa maneira, lideranças de outros bandos começaram a se entregar após promessas do governo de anistia para quem delatasse os companheiros. Sendo assim, o último grande cangaceiro foi Corisco, que liderava um subgrupo do bando de Lampião e foi morto em 25 de maio de 1940 em Barra Mendes (BA).
Após a turnê mórbida pelo sertão, as cabeças do bando de Lampião foram enviadas para universidades, onde foram examinadas e estudadas. Depois, expuseram no Museu Antropológico do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, na Bahia. Lá permaneceram por mais de três décadas até serem sepultadas, em fevereiro de 1969, por força de um projeto de lei proposto pela sociedade civil.