O problema pode transformar significativamente a dinâmica do relacionamento — Foto: Instituto Homem/Divulgação

Nesta semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda da Metbala, uma gominha à base do medicamento que vinha sendo divulgada por um influenciador. O produto ajuda a explicar a alta no interesse pela “tadala” no país, puxada justamente pelo hype nas redes sociais, onde ganhou fama de recurso para “turbinar” o sexo e até promessas de que poderia aumentar o tamanho do pênis – o que não é verdade.

💊 A tadalafila é um medicamento usado para tratar a disfunção erétil e está no mercado desde os anos 2000. Ela veio para substituir a sildenafila, o popular viagra, com ação prolongada e menos efeitos colaterais.

Destaque

O medicamento saiu de um tabu para o destaque das prateleiras nos últimos anos, com vendas recordes. Segundo o levantamento da Anvisa a pedido do g1, o número saltou de 3 milhões de unidades vendidas em 2015 para 64 milhões em 2024.

Número de vendas de medicamentos à base de tadalafila no Brasil — Foto: Arte/g1

➡️ Os números mostram apenas os remédios à base de tadalafila produzidos por farmacêuticas e não incluem o mercado de medicamentos manipulados. Ou seja, o volume pode ser ainda maior.

As redes sociais ajudam a explicar esse aumento. São milhares de vídeos de jovens e adolescentes contando que usam a “tadala”, como foi apelidada, antes de dates, de qualquer sexo e às vezes todos os dias. O medicamento virou até música, com o refrão: sabe qual é o segredo para aguentar a noite todinha? Tadalafila.

💊 A “tadala” é vendida sem retenção de receita. Com o fácil acesso, as farmácias relatam vender dezenas de caixas por dia. Segundo especialistas, estima-se que o país tenha cerca de 16 milhões de homens com disfunção erétil, e a fama do remédio ajudou quem tinha a doença, mas sentia vergonha de se medicar ou buscar ajuda.

No entanto, o número de diagnósticos não cresceu a ponto de acompanhar a alta nas vendas. Com isso, o que médicos e psiquiatras explicam é que os dados revelam a insegurança de homens e a pressão pela performance no sexo.

As pessoas não estão levando em conta a dependência psicológica que é achar que só vai conseguir ou que só vai ter um sexo bom se tomar o remédio. Estão mascarando a insegurança no sexo desde o começo da vida sexual. Isso pode favorecer uma disfunção no futuro, porque sexo também é emocional.

— Eduardo Miranda, urologista e coordenador da Disciplina de Medicina Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

Como a tadalafila age no corpo?

A tadalafila é uma substância vasodilatadora usada para o tratamento da disfunção erétil. Na doença, o corpo dá respostas que suspendem o fluxo de sangue no pênis e ele não fica ereto o suficiente.

➡️ É aqui que entra a ação da tadalafila: ela aumenta o fluxo sanguíneo no pênis e, com isso, permite que o pênis consiga ficar ereto.

Por que homens estão usando tadalafila?

🍆 No Brasil, 16 milhões de homens podem sofrer com a disfunção erétil, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia. A doença nada mais é do que a dificuldade de ter ou manter uma ereção satisfatória para a penetração.

Isso pode acontecer por problemas físicos, como mudanças hormonais e doenças como o câncer de próstata, entre outras. Ou por questões emocionais. O que diferencia a doença de um caso corriqueiro — em que a pessoa não consegue ter uma ereção — é a frequência.

O urologista Eduardo Miranda cita que houve um aumento no número de diagnósticos de disfunção, justamente porque se fala mais sobre a doença. No entanto, os números não acompanham o crescimento nas vendas de tadalafila no país. Ou seja, não é um aumento proporcional à demanda por pacientes.

O que ele aponta é que os dados revelam um comportamento: os homens estão usando a tadalafila como recurso para evitar os problemas de ereção que são naturais. Afinal, o sexo é emocional e é preciso uma junção de fatores para que tudo dê certo na hora H.

➡️ Se às vezes você não consegue manter uma ereção em um encontro, depois de um dia cansativo ou em um momento de estresse ou ansiedade, isso é normal e não precisa de medicação.

“É preciso de um alinhamento de expectativa. Muitas vezes, a base desse homem é a pornografia e acha que o referencial é aquilo que se vê nos vídeos. Só que editam tudo ali, não é a realidade. Se essa for a referência, o homem vai sempre estar insatisfeito com a sua performance.”

— Eduardo Miranda, urologista

Insegurança do homem

Conforme a psiquiatra, especialista em sexualidade e professora da medicina da USP, Carmita Abdo, o hype da tadalafila reflete a insegurança do homem em seu papel social diante das mudanças nas relações. Assim, entre os pontos, ela cita:

“O homem acaba agindo para a proteção da sua reputação com medo de ser comparado ou de expor uma fragilidade, caso não consiga concluir o ato. É uma resposta para a mudança de paradigma que tivemos em que eles não são a única referência de experiência no sexo e ele não quer se sentir inferior”, conforme Abdo.

Automedicação

O médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida (PROMEV) da USP, reforça que se medicar sem apoio médico e, além disso, não entender de onde vêm as inseguranças pode agravar o problema.

“Não há tratamento medicamentoso para a insegurança. O remédio não conversa com a gente para entender o que está acontecendo e ajudar. Ele pode mascarar o problema e, quando isso acontece, ele tende a crescer com o tempo, podendo se tornar algo muito maior lá na frente.”

— Arthur Danila, psiquiatra que pesquisa o comportamento humano.

Como isso afeta o sexo

Nas redes sociais, a ideia que se vende é a de que o sexo com tadalafila é muito melhor. Mas é preciso cuidado com esse discurso, segundo urologistas e psiquiatras.

➡️ Conforme Carmita Abdo, especialista em sexualidade, quando a performance está garantida, um problema está resolvido: o da autoconfiança para se envolver no sexo. Mas há uma outra questão: a preocupação genuína com a satisfação do outro.

“Conseguir a ereção no tempo que deseja não garante que a outra pessoa saiu satisfeita daquela relação. O que pode acontecer é que essa autoconfiança pode roubar o lugar da troca”, explica.

➡️ A especialista também reflete então sobre os impactos disso em adolescentes, que estão desenvolvendo a vida sexual. Adolescentes são mais vulneráveis à insegurança e à busca por soluções rápidas, o que pode comprometer a vivência da troca na experiência sexual.

“Eles não estão se descobrindo de forma natural, criando suas próprias referências de si mesmo. Eles correm o risco de estarem performando e isso impede que eles vivam a troca de intimidade que cria a experiência sexual”, explica.

Não vicia

O urologista Eduardo Miranda afirma que a tadalafila não é viciante, mas que o efeito e a sensação de segurança podem tornar-se uma bengala emocional, criando dependência. E isso pode assim ser um gatilho para a disfunção erétil.

“A tadalafila não é uma pílula mágica que vai resolver todos os seus problemas. Se a pessoa não tratar a causa raiz, que pode ser uma disfunção ou uma insegurança, que é uma questão de saúde mental, o problema vai continuar.”

— Eduardo Miranda, médico urologista.

Ainda mais, o psiquiatra Arthur Danila ressalta que o sexo também é emocional e que o uso inadequado de medicamentos para ter relações pode tornar o ato algo mecânico e privar as pessoas da chance de fazerem conexões genuínas.

“Acho que, para o sexo acontecer, a entrega precisa ser completa — dos dois lados. Se a pessoa já entra na relação ‘blindada’ com a tadalafila, ela não se entrega por completo. Está mecanicamente performando, mas emocionalmente deixa de se entregar — inclusive nas limitações e falhas que fazem parte da vida e que nos conectam com o outro”, explica.

Mitos e verdades sobre o medicamento

Nas redes sociais, ele não é divulgado como tratamento para disfunção, mas como um potencializador. Uma “pílula mágica” que abriria então um portal capaz de aumentar o tempo de ereção, o tamanho do pênis e a frequência do sexo em intervalos curtos — tudo isso sem qualquer efeito colateral.

Conforme o urologista Eduardo Miranda, muitas dessas promessas não têm relação com a realidade. Veja abaixo:

Tadalafila aumenta o tempo de duração da ereção?

Apesar das centenas de vídeos de homens dizendo que, com a tadalafila, aguentam mais de 40 minutos de sexo, o médico explica que o medicamento não é capaz de prolongar o tempo de ereção até a ejaculação.

Conforme ele, o que acontece é que, como o remédio garante que o pênis fique ereto com firmeza suficiente, o homem se sente mais seguro e relaxado durante o ato.

“A pessoa consegue focar no prazer sem precisar ficar controlando se o pênis está ereto ou não, não gera a ansiedade que pode fazer com que termine mais rápido”, explica.

🔴 Ainda mais, o médico alerta: é preciso cuidado com o referencial. O tempo médio natural de ereção até a ejaculação, em homens sem disfunção, é de cinco a seis minutos.

“A gente quer que a doença de disfunção erétil não seja um tabu porque o tratamento pode dar qualidade de vida para as pessoas. Mas é preciso estar alerta para não desnaturalizar o que é natural. Perder a referência de si, e isso pode trazer inseguranças, ansiedade, que são gatilhos para disfunção”, explica Bertero.

Tadalafila aumenta o tamanho do pênis?

A resposta é direta: a “tadala” não é capaz de aumentar o tamanho do pênis. Como vasodilatadora, ela aumenta o fluxo de sangue na região ao longo do período de efeito — que pode durar até 36 horas — e isso pode dar a impressão de aumento.

“A pessoa pode sentir um aumento no volume na roupa, por exemplo. Isso porque, mesmo flácido, vai ter mais volume de sangue na região e causa essa impressão”, explica o médico.

➡️ Mas é importante não perder de vista o referencial. O tamanho médio do pênis do brasileiro, ereto, é de 13,12 centímetros. Um número dentro dessa média — pouco mais ou pouco menos — é completamente normal.

O remédio torna possível transar mais em um intervalo menor de tempo?

O médico explica que a tadalafila diminui o tempo de recuperação, que normalmente varia de 30 minutos a uma hora. Ou seja, assim que uma transa termina, é possível emendar outra com mais facilidade.

Não tem efeito colateral?

A tadalafila é, de fato, um medicamento com poucos efeitos colaterais. Diferente de outras pílulas, que traziam riscos maiores, como ataques cardíacos, ela é considerada mais segura.

O uso da tadalafila pode causar:

É contraindicada para:

O principal cuidado, segundo o médico, é o risco de uma dependência emocional — a crença de que só é possível transar com a ajuda do comprimido.

“A disfunção pode ter uma raiz física, alguma questão em que o homem não consegue manter o pênis ereto, ou emocional. A falta de confiança em que vai conseguir, a ansiedade, podem fazer com que a pessoa, de fato, não consiga. O uso disso a longo prazo, principalmente no começo da vida sexual, é um risco”, explica o médico.

🔴 Há registros de que alguns pacientes relataram complicações na visão e audição. Um dos casos, publicado na revista científica “Nature”, uma das mais importantes do mundo, descreve um homem que teve uma neuropatia óptica isquêmica anterior — algo como um AVC nos olhos — e perdeu parte da visão.

G1

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