
“Não colocar todos os ovos na mesma cesta” é um ditado comum, inclusive no mercado financeiro. A metáfora significa que não é bom para o investidor colocar todos os seus recursos em um único tipo de investimento. O motivo disso? Se der certo, você ganha, mas se der errado, você perde tudo. O mesmo vale para moedas na carteira do investidor e, por isso, a diversificação cambial também é uma estratégia que deve fazer parte do portfólio dos investidores, apontam especialistas ouvidos pelo Valor Investe.
Com o dólar acumulando queda ao longo do ano, reflexo da crescente aversão ao risco fiscal nos Estados Unidos, do rebaixamento da nota de crédito do país e da reconfiguração global do apetite dos investidores, muitos brasileiros têm se perguntado: qual é a melhor moeda para proteger o patrimônio e manter o poder de compra ao longo do tempo?
Para se ter ideia do recuo da moeda norte-americana, na primeira sessão do ano, no dia 2 de janeiro, a moeda custava R$ 6,16 frente ao real brasileiro, enquanto agora está sendo negociado abaixodos R$ 5,50, menor nível desde o início de outubro do ano passado.
Mas este cenário (de recuo do dólar) pode valorizar ainda mais a moeda brasileira. No mês de maio, o Banco Pine reduziu sua projeção para o dólar para R$ 5,40 nas semanas seguintes. Ainda não chegamos lá, mas estamos mais perto do que no início do ano.
No entanto, a solução para a reserva internacional no atual cenário não é correr do dólar e, para os investidores que querem colocar os ovos em cestas diferentes e se beneficiar da diversificação, o foco deve estar casado com a necessidade específica de cada perfil.
Moedas estáveis e fortes
Apesar do recuo recente, o dólar ainda se considera uma moeda forte. Moedas estáveis e fortes, segundo os especialistas, devem ter espaço na carteira dos investidores porque preservam o poder de compra, protegem o investidor da desvalorização cambial e ainda oferecem liquidez (velocidade em que uma moeda pode ser comprada ou vendida) e segurança em diferentes contextos econômicos.
Para que uma moeda seja considerada assim é preciso preencher alguns requisitos, como ter inflação controlada, política monetária confiável (responsabilidade fiscal e monetária por parte das autoridades destes países), economias fortes, confiança institucional, e, inclusive, não ter forte intervenção do governo na cotação. A ampla aceitação internacional também é uma característica presente, por isso o dólar e o euro são considerados moedas de reserva global.
Neste cenário, Cristiano Oliveira, diretor de Pesquisa Econômica do Banco Pine, ressalta que a diversificação é uma estratégia que deve sempre ser avaliada. Isso por investidores institucionais, pessoas físicas e até bancos centrais.
“No momento atual, presenciamos uma mudança na percepção de risco global com questionamentos a respeito do que chamamos de excepcionalismo norte-americano, e portanto, do papel do dólar no mercado global”, explica.
Além disso, segundo Eduardo Garay, CEO da plataforma de câmbio TechFX, a escolha da moeda para guardar dinheiro vai muito além do simples hábito de poupar. Ela pode ser decisiva para o futuro financeiro do investidor ou poupador.
O risco de todos os ovos na mesma cesta
Para Garay, guardar dinheiro apenas em real pode ser um erro de estratégia. A combinação entre real e uma moeda forte, como o dólar ou o euro, protege o investidor da desvalorização cambial. Além de oferece liquidez e segurança em diferentes contextos econômicos.
Ele comenta que, moeda por moeda, há pontos importantes a considerar. “O real, embora útil para emergências e despesas do dia a dia, sofre com alta volatilidade, inflação e riscos políticos”, reforça. Ainda assim, sua liquidez e a isenção de impostos em certos investimentos justificam manter parte da reserva nessa moeda. “O real tem seu papel dentro de uma estratégia diversificada. Ele garante acesso rápido aos recursos e simplicidade nas transações cotidianas”, reitera.
Quando o objetivo é preservar patrimônio, manter 100% da reserva em real concentra risco para o brasileiro. Isso porque, se houver uma desvalorização abrupta da moeda, o poder de compra global do patrimônio cai. Além disso, parte da cesta de consumo dos brasileiros é impactada pela variação cambial, o que afeta diretamente o gasto das famílias, segundo os especialistas.
“Dependendo do perfil de consumo da família a cesta muda muito. O principal índice de inflação, o IPCA, contempla a cesta de consumo de famílias com rendimento entre 1 e 40 salários mínimos. Ou seja, é a média de um grupo bem amplo. Por exemplo, uma família que faz duas viagens ao ano para o exterior, pretende que os filhos façam faculdade no exterior, claramente tem seu orçamento muito mais exposto à desvalorização do real”, pondera Fabio Zaclis, gestor de fundos multimercados da Daycoval Asset.
Proteção
Por isso, para quem quer diversificar para proteger o patrimônio, Garay recomenda que a decisão por ter uma moeda como reserva deve considerar três fatores principais:
- A estabilidade da moeda, já que moedas fortes tendem a resistir melhor a crises econômicas e políticas;
- Os objetivos financeiros de quem poupa, como viagens, investimentos internacionais ou a simples preservação de valor;
- A liquidez e o acesso aos recursos, pois é essencial poder movimentar a reserva com agilidade e baixo custo.
Em quais moedas investir? E como diversificar os investimentos?
Para os especialistas, tanto o dólar, o euro e a libra são conhecidos como moedas estáveis e estão entre as recomendações dos especialistas. Outras divisas, porém, também ganham espaço nas sugestões.
No cenário atual, descreve Acilio Marinello, sócio-fundador da Essentia Consulting, muitos investidores estão buscando comprar franco suíço e o iene japonês. Isso porque possuem maior estabilidade política e econômica, sendo mais resilientes à guerra tarifária e aos conflitos geopolíticos globais.
Em relação ao dólar, Oliveira pontua que, na visão dele, os riscos políticos, fiscais, legais e até confiscatórios (como taxas retaliatórias a estrangeiros) enfraquecem a atratividade dos EUA, o que respinga na moeda do país. Na avaliação dele, a trajetória do dólar e dos ativos americanos dependerá fortemente da política comercial e fiscal de Trump, especialmente em relação às tarifas.
“Assim, acreditamos que existem alternativas mais interessantes como títulos e moedas de mercados desenvolvidos como Austrália, Canadá e Japão e de alguns mercados emergentes, em especial o real brasileiro, por conta da exposição em commodities”, diz o diretor do Banco Pine.
Por outro lado, para ele, o dólar ainda deve continuar sendo a moeda utilizada como meio de troca global por muitos anos. Isso, dada a força da economia americana (sobretudo das empresas) e o custo de mudança. Porém, como reserva de valor, a moeda norte-americana deve perder espaço relativo. Muito em razão da expectativa de piora do quadro fiscal e do aumento da inflação nos EUA.
Euro
O euro, por sua vez, é a segunda moeda mais utilizada no mundo, com menor volatilidade e forte presença no mercado europeu. A divisa oferece estabilidade e pode ser uma boa proteção cambial no longo prazo. Além de ser uma escolha estratégica para quem pretende estudar, viajar ou investir na Europa, completa Garay, da TechFX.
Já Zaclis, da Daycoval, comenta que o Yuan é relevante pela importância econômica da China. Porém, ainda há controles de capital que dificultam a conversibilidade plena. Outras moedas como franco suíço também podem se considerar em estratégias mais sofisticadas. “O ideal é ter exposição a uma cesta de moedas que reflita os objetivos de longo prazo do investidor”, ressalta o gestor.
Segundo os especialistas, a B3, bolsa brasileira, oferece futuros de várias outras moedas para o público em geral. Outra alternativa para o investidor é mandar dinheiro para fora do país e comprar ações ou ETFs negociados em outros países.
Os investidores também podem se expor a outras moedas por meio de:
- Fundos cambiais, que alocam a maior parte dos recursos em ativos vinculados a moedas estrangeiras;
- Fundos de renda fixa com exposição a outras moedas;
- BDRs, que são certificados que representam ações de empresas estrangeiras (como Google, Nvidia, negociadas na Bolsa de Valores do Brasil (B3);
- Contas globais.
Diversificação x Objetivos
Zaclis, da Daycoval Asset, ressalta que quando o investidor decide como investir seu dinheiro é mais importante focar nos objetivos e usos destes recursos no futuro do que na performance da moeda neste ano ou no ano passado.
“Se o objetivo é uma poupança de longo prazo para manter o padrão de consumo a carteira deveria ser uma, se é uma reserva de curto prazo de uma família que possui dívidas (ex: financiamento imobiliário) a alocação deveria ser outra”, explica Zaclis.
No caso de trabalhadores brasileiros que já recebem em moeda estrangeira, a recomendação é que a escolha deve se basear na intenção da poupança. Se a pessoa mora no Brasil, mas trabalha em uma empresa estrangeira e não tem planos de viver no exterior, não faz sentido ter uma renda atrelada a outra moeda, já que os seus custos estão em reais, explicam os especialistas.
Já se o trabalhador irá residir em algum momento no país onde a empresa está sediada, é conveniente que adquira moeda daquela economia, desde que seja estável, ofereça segurança, poder de compra consistente e inflação controlada, diz Douglas Ferreira, diretor da mesa de câmbio e investidor não residente da Planner Investimentos.
Para os que querem estudar no exterior (ou seja, também terão uma despesa em outra moeda), os especialistas pontuam que faz sentido ir construindo reserva aos poucos para não correr o risco de ser pego por uma desvalorização cambial no momento do pagamento, o que também melhora o planejamento financeiro do projeto.