Na madrugada do dia 8 de junho de 1982, o Brasil foi abalado por uma das maiores tragédias da sua aviação comercial. O voo VASP 168, que fazia a rota entre São Paulo e Fortaleza, colidiu com a Serra da Aratanha, no município de Pacatuba, no estado do Ceará. Todas as 137 pessoas a bordo morreram instantaneamente, em um desastre que até hoje é lembrado com tristeza e reverência.

O Voo VASP 168: um trajeto rotineiro com um desfecho trágico

O voo 168 da VASP (Viação Aérea São Paulo) decolou do Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos no final da noite de 7 de junho de 1982. A aeronave fez escalas regulares nas cidades de Brasília e Belo Horizonte, seguindo então para seu destino final: o Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza. Durante todo o trajeto, nada indicava qualquer tipo de problema técnico ou anormalidade grave.

A aproximação para o pouso em Fortaleza começou por volta das 2h20 da madrugada. Os procedimentos pareciam seguir normalmente, mas, por alguma razão ainda debatida até hoje, a aeronave desceu além do recomendado, apesar dos diversos alertas do sistema GPWS (Ground Proximity Warning System), que avisa quando há perigo iminente de colisão com o solo. A colisão com a serra ocorreu às 2h25, apenas minutos antes do que seria o pouso final. A tragédia foi imediata: o Boeing explodiu ao bater contra a vegetação da serra e foi completamente destruído.

A aeronave: um Boeing confiável e moderno para a época

Um Boeing 727 similar ao Sierra-Romeu-Kilo
Um Boeing 727 da VASP, similar ao envolvido no acidente – Foto: Reprodução

A aeronave envolvida no acidente era um Boeing 727-212 Advanced, de prefixo PP-SRK, fabricado em 1975. O modelo 727 era amplamente utilizado por companhias aéreas em todo o mundo, com uma reputação sólida de confiabilidade. Com capacidade para aproximadamente 150 passageiros, esse modelo utilizava três motores Pratt & Whitney JT8D-15, posicionados na parte traseira da fuselagem.

Com uma fuselagem estreita e asas em formato de flecha, o Boeing 727 era ideal para operar em aeroportos com pistas curtas e também em trajetos médios. O PP-SRK possuía cerca de 7 anos de uso e estava com a manutenção em dia, conforme verificado posteriormente no relatório do Departamento de Aviação Civil (DAC). O desempenho da aeronave não apresentava falhas, o que eliminou, desde o início, a possibilidade de falha mecânica como causa do desastre. A responsabilidade recaiu, então, sobre fatores humanos e operacionais.

A tripulação: experiência não foi suficiente para evitar o erro

Na cabine de comando do VASP 168, havia três tripulantes:

Piloto, co-piloto e engenheiro de voo
Piloto, co-piloto e engenheiro de voo – Foto: Reprodução

Apesar da combinação de juventude e maturidade entre os tripulantes, a investigação revelou uma desconexão na comunicação da cabine durante a aproximação. O comandante assumiu o controle direto do avião e, mesmo diante dos avisos insistentes do copiloto e das advertências do GPWS, continuou a descida.

🗨️ Diálogo transcrito da cabine (CVR – Caixa Preta)

Esse trecho mostra como o comandante manteve a confiança no procedimento, mesmo diante de alertas claros e crescentes.

A colisão com a serra: impacto fatal

Serra da Aratanha
Vista da Serra da Aratanha, Pacatuba. Este foi o local da colisão do PP-SRK.

A colisão ocorreu a cerca de 720 metros de altitude, apenas 15 metros abaixo do topo da serra. Isso demonstra o quão próximo o avião estava de realizar uma aproximação segura — mas o erro de julgamento foi fatal. A violência do impacto destruiu completamente a fuselagem da aeronave. Sendo assim, uma explosão seguida de chamas foi ouvida por moradores da região de Pacatuba, que acordaram assustados no meio da madrugada. Dessa forma, a cena era de destruição total, com partes da aeronave espalhadas em uma encosta íngreme e de difícil acesso.

Diversas equipes de resgate foram acionadas, incluindo bombeiros, Força Aérea, polícia militar, jornalistas e voluntários. Porém, ao chegarem ao local, encontraram um cenário de completa devastação. Ou seja, nenhum dos 137 ocupantes sobreviveu.

A busca pelos destroços e os relatos de saques

Os destroços da aeronave foram localizados por volta das 6h da manhã, após horas de buscas intensas. Equipes de salvamento encontraram malas, assentos carbonizados, documentos, brinquedos infantis e corpos em condições extremamente graves. Infelizmente, antes da chegada total das autoridades, houve relatos de moradores locais saqueando pertences das vítimas.

A imprensa divulgou amplamente esse episódio, provocando revolta nacional. Levaram objetos pessoais, inclusive alianças, carteiras e até roupas. As autoridades precisaram isolar o local imediatamente, mas o dano à dignidade das vítimas já estava consumado.

Identificação dos corpos: uma tarefa lenta e dolorosa

Corpos sendo removidos
Corpos sendo removidos para o campo de futebol municipal de Pacatuba – Foto: Reprodução

O trabalho do Instituto Médico Legal do Ceará foi extremamente difícil. Devido à intensidade da explosão e ao estado dos corpos, a identificação das vítimas foi um processo demorado, que exigiu exames detalhados, inclusive de arcada dentária e impressões digitais. Alguns corpos estavam carbonizados ou mutilados, o que demandou mais tempo. Familiares aguardavam horas e até dias por informações, aumentando o clima de dor e angústia.

Em vários casos, só foi possível identificar os passageiros por objetos pessoais ou pelas roupas. A comoção nos hospitais e nos locais de atendimento às famílias era visível, com profissionais da saúde e assistentes sociais mobilizados para atender à demanda emocional.

A comoção nacional: cobertura da mídia e homenagens

O acidente teve ampla repercussão nacional. Dessa forma, todos os principais jornais e emissoras do país deram cobertura contínua ao caso, o seja, manchetes traziam detalhes do desastre e listas com os nomes dos passageiros. Prestaram diversas homenagens, inclusive com missas, atos ecumênicos e pronunciamentos de autoridades. O então presidente da República, João Figueiredo, manifestou pesar pelas vítimas e determinou rigor nas investigações.

O episódio reacendeu debates sobre segurança aérea, especialmente em áreas de relevo acidentado. Especialistas passaram a questionar os protocolos de aproximação, o nível de autonomia dos pilotos, e o treinamento das tripulações para atuação em situações de alerta sonoro crítico.

Edson Queiroz: uma perda irreparável para o Nordeste

Edson Queiroz, empresário cearense era um dos que estavam no Voo Vasp 168
Edson Queiroz, empresário cearense. Era um dos passageiros do PP-SRK – Foto: Reprodução

Entre as vítimas estava o empresário Edson Queiroz, uma das figuras mais influentes da economia nordestina. Ele era presidente do Grupo Edson Queiroz, que incluía empresas como a Esmaltec, a Nacional Gás e o Sistema Verdes Mares de Comunicação.

Edson era conhecido por sua visão inovadora e pelo incentivo ao desenvolvimento da indústria no Ceará. Dessa maneira, sua partida provocou uma comoção generalizada. O governo do estado decretou luto oficial e milhares de pessoas participaram das homenagens. Enfim, o legado de Edson Queiroz perdura até hoje através das instituições que fundou e dos empregos que gerou.

📦Dados do acidente

Mudanças após o acidente: segurança em primeiro lugar

Após o desastre, a aviação brasileira começou a reforçar os treinamentos sobre o uso do GPWS e a importância de seguir rigorosamente os mínimos de aproximação. Companhias aéreas reavaliaram seus procedimentos internos e os órgãos reguladores introduziram novas diretrizes.

Também se fortaleceu a cultura de prevenção de erros humanos, com maior incentivo à comunicação entre comandante e copiloto durante fases críticas do voo. A frase “cockpit resource management” (CRM) ganhou mais espaço nas instruções operacionais, reforçando a necessidade de ouvir a equipe e evitar decisões solitárias em momentos cruciais.

Legado

O acidente com o Vasp 168 foi o maior acidente aéreo do Brasil, até ser superado, em 2006, pela queda do Voo Gol 1907 na Serra do Cachimbo. Continua sendo o acidente mais mortal envolvendo um avião Boeing 727-200. Um episódio da série canadense Mayday! Desastres Aéreos, conto toda a sua história. Atualmente, ainda há destroços do avião espalhados pela serra, o acidente acabou atraindo turistas do Brasil inteiro.

Sendo assim, curiosos se aventuram na mata para ver o local exato da tragédia, na esperança de encontrar alguma parte do Boeing. Os moradores da região encomendaram uma cruz de ferro em memória das 137 vidas que ali foram perdidas.

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